segunda-feira, 16 de maio de 2011

Bullying nas escolas: responsabilidade social?

No post passado eu falei sobre os memes negativos que ajudamos a imprensa a difundir diariamente em nossas conversas cotidianas. E por que fazemos isso? Por que escolhemos propagar os assuntos mais negativos e desagradáveis em detrimento de inúmeros temas que certamente nos beneficiariam mais? Seria essa a derradeira vitória do mal contra o bem? Você realmente acredita nisso?
Bem, eu não sou tão maniqueísta assim. Eu acredito que o bem e o mal subsistem em cada um de nós porque são aspectos de uma única coisa. E se sobressai aquele aspecto que alimentamos mais. Bem e mal, luz e sombra, tudo isso está dentro de nós, compondo nossa natureza dual. Mas seguimos negando o aspecto da sombra interior em nós mesmo e projetando a culpa de todo o mal fora de nós, no exterior, no outro. Certamente é mais fácil julgar e acusar o outro que assumir responsabilidade sobre seu próprio processo, ou ainda, daqueles por quem somos responsáveis: nossos filhos.
Ultimamente, muito se tem falado sobre bullying nas escolas. Esse é realmente um problema de caráter pessoal que vem se tornado uma questão coletiva, algo a ser discutido nos círculos sócio-educativos e políticos. Leia-se: este é um problema social, o que significa que a sociedade como um todo deve se envolver e buscar soluções.
Creio que  a maioria de nós tem uma história a contar que envolve algum tipo de assédio por parte dos colegas de escola, como vítimas ou espectadores. Eu mesma fui alvo de chacotas durante minha infância devido a minha baixa estatura, por usar óculos "fundo de garrafa" em decorrência de uma miopia galopante (devidamente corrigida com cirurgia há cerca de uma década) e ao fato de ser, como se diz, a "primeira da turma". Não era muito sociável, era tímida e quieta, falava baixo, meu passatempo predileto era ler e só tirava notas altas, o que angariava a simpatia dos professores. Uma verdadeira CDF, como se dizia na época, termo substituído por seu sinônimo em inglês, o que é próprio da nossa época globalizada: uma nerd. O 'alvo perfeito'. Não tardou a isso se tornar um fardo social e eu, vítima da tirania dos 'maiorais', da 'turma do fundão', cheguei a sofrer ameaças do tipo 'não fui com tua cara, guria, te pego na saída'. Não posso afirmar que essa situação tenha causado qualquer trauma emocional em mim, mesmo não vivendo em um ambiente familiar equilibrado e com adultos atentos a este tipo de situação. Talvez naquela época eu já soubesse que crianças são, por natureza, cruéis. É somente uma das características da velha natureza dual do ser humano, o lado perverso se manifestando. A sombra de cuja existência a luz precisa para existir.
Assim como eu, muitas pessoas sofreram este tipo de assédio na infância ou adolescência, vítimas de preconceitos devido a características físicas ou comportamentais que não se encaixavam no 'padrão'. Penso que algumas pessoas, ao contrário de mim, devem até mesmo guardar algumas cicatrizes emocionais (e físicas) como resultado. Então não se pode afirmar que antes éramos emocionalmente mais preparados ou psiquicamente mais resistentes que agora, simplesmente porque não temos como saber o que o chamado bullying provoca em cada um ou qual o resultado disso a longo prazo. Somente não prestávamos tanta atenção a isso como agora, após sermos bombardeados durante duas décadas por enlatados norte-americanos que nos presentearam com seu conceito sobre o que torna alguém popular ou passível de ser taxado de loser. Não é a toa que até a palavra para designar tal ação tão reprovável quanto comum vem em sua grafia original inglesa: além da palavra, importamos o conceito.
Porém, quero chamar atenção para um fato inegável: isso que chamamos de bullying freqüentemente acontece dentro da própria família. Crianças e adolescentes sofrem todo tipo de assédio moral travestido de 'crítica construtiva' ou disfarçado em 'brincadeira' por parte dos pais, irmãos e mesmo dos tios. E mais uma vez apelo para a consciência de cada um. Que tipo de ambiente estamos criando em nossos lares? Como estamos educando nossas crianças, sejam nossos filhos, sobrinhos ou netos? Que contribuição estamos dando para que esses seres se desenvolvam emocionalmente saudáveis, psiquicamente fortes e suficientemente seguros para lidar com situações adversas sem sucumbir ao medo, a depressão, a loucura e a violência? 
A imprensa fez questão de divulgar os diversos vídeos em que Wellington Menezes, o 'assassino do Realengo', afirmava que sofria bullying na escola e responsabilizava esse fato pelo ataque. Segundo pesquisas, de 66 ataques em escolas que ocorreram no mundo, 87% dos atiradores sofriam bullying e foram motivados pelo desejo de vingança. Porém, não se pode ignorar outros fatores muito bem representados pela pessoa de Wellington: herança genética de distúrbios mentais, desagregação familiar (neste caso devido a morte dos pais adotivos), isolamento social, refúgio na rede com conseqüente vício, mais precisamente em jogos online como Counter Strike, influência de diversos temas como o islamismo e acesso a informações sobre armas e bombas facilitado pela Internet.
Gosto de pensar que a ação de Wellington é e continuará sendo um fato isolado, embora muitos insistam em fomentar o medo e usá-lo como combustível para alimentar a fogueira das discussões ideológicas, sociais e de cunho político.  A atenção a determinados temas cresce a medida da necessidade de uma reforma social mas, acima de tudo, de uma reforma individual íntima. Todas as crianças que freqüentam as escolas - as que provocam e as que são provocadas - pertencem, desde que nasceram, a um grupo primordial que é a família. A família ainda é a principal responsável por sua formação e não é justo transferir isso para o ambiente da escola, para os professores ou para a sociedade. A escola é local de encontro de individualidades com toda a complexidade que as diferenças provocam. Wellington é o resultado de uma combinação catastrófica de fatores como o desequilíbrio mental agravado pelas condições precárias de vida, assédio moral e a solidão do isolamento voluntário com acesso ilimitado a todo tipo de informação e armas de fogo. A escola foi o ambiente onde essa complexidade bombástica explodiu, ceifando a vida de inocentes. Não creio que haja algo que cause maior revolta e perplexidade do que a morte de uma criança. Essas circunstâncias, então, colocam em cheque grande parte do que acreditamos e beira o insuportável.
Mas a reflexão sobre nossa própria responsabilidade é uma forma de, paralelamente, transcender a revolta e a perplexidade sobre nossas tragédias individuais e coletivas e fomentar o desenvolvimento da nossa consciência individual que, somadas uma a outra, podem vir a construir, quem sabe, uma consciência coletiva.
Não seria esse um dos objetivos de nossa existência?