quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Retorno à ditadura ou 'a democracia é uma falácia?'

Grafite de Bansksy
No dia da reintegração de posse do prédio da reitoria da Universidade de São Paulo, recebi uma visita inesperada: um colega de minha filha, cadete do exército. Tive a possibilidade de conversar com um jovem questionador (que conta os dias para o término do serviço militar obrigatório) sobre a formação de um militar, seja ele do exército ou da polícia. Obtive informações preciosas que desconhecia, entre elas, que os policiais militares que integram o contingente de 'praças', responsáveis pela segurança da comunidade, são os mais mal formados da Academia. São excluídas da sua formação as disciplinas de psicologia, sociologia e filosofia que consta do currículo dos demais profissionais, que estudam cerca de quatro anos antes de assumirem suas posições profissionais, como a tropa de choque, por exemplo. O 'praça' estuda somente oito meses. Este mesmo jovem questiona que, excluídas essas disciplinas da formação dos policiais, entre outros questões, não se pode esperar que os policiais aprendam a pensar e discernir suas ações na comunidade. 
O que se podia esperar da ocupação de uma universidade por uma força militar e com esse nível de despreparo para lidar com, digamos, seres humanos? Com uma formação desse nível e pouca ou nenhuma orientação, como é possível que este sujeito seja capaz de distinguir prioridades no combate ao crime? É possível que estes não saibam que não há pena privativa de liberdade nem de prisão prevista àquele que pratica a 'posse de drogas para consumo pessoal.' (Art. 48, § 2º da Lei nº 11.343/06)? 
Não estou aqui a defender o uso indiscriminado de maconha no campi, mesmo que tenha de admitir que a grande maioria dos jovens faz uso de álcool e drogas; tampouco estou justificando as ações de nenhuma das duas partes envolvidas. Considero a violência injustificável, mesmo que seja atirar uma simples pedra em alguém. Porém, é fato que a ocupação por parte dos estudantes está muito mais legitimada pela dita democracia do que a invasão do espaço democrático da universidade por uma força militar a serviço de interesses políticos. "A ideia da autonomia universitária é forte no Brasil, desde os anos 30, e se tornou particularmente forte durante o período autoritário. À partir daquele momento, autonomia universitária foi entendida com a ausência de aparatos de segurança do estado (autoritário) das universidades.", afirma Leonardo Avritzer
Porém, o que assistimos, embora parte da opinião pública se manifeste contra os estudantes que teve sua imagem devidamente denegrida pelas autoridades e pela imprensa - o que prova não só desrespeito quanto uma ausência de conhecimento e incapacidade de reflexão, em outras palavras, de senso crítico - é uma ação política repressora por parte de um reitor autoritário, apoiado por um governo bastante suspeito no que se refere a manutenção de um estado democrático. O que pode parecer para parte da população uma simples questão entre 'filhinhos de papai maconheiros e desocupados' e a polícia (acredite, é isso que tenho ouvido 'a boca pequena'), tem se configurado como uma lufada de ar que vem derrubando o castelo de cartas armado pelo atual governo. Um governo que se utiliza de esquemas táticos e de uma polícia extremamente preparada para o combate ao crime, como o GOE, para reprimir manifestações estudantis, não o faz sem estratégias previstas para fins que a maioria de nós desconhece. 
Espero que a imprensa seja tão implacável contra Alckmin e sua trupe quanto tem sido contra os estudantes, já que parece impossível esperar que seja neutra. Aliás, as vezes me pergunto o quão mais preparados que os 'praças' para lidar com, digamos, seres humanos estão os jornalistas de nosso país. 
Este evento não pode ser considerado um fato isolado porque traz a tona uma infinidade de questões a serem pensadas e discutidas a luz da consciência e da prática democrática. Seria importante, neste momento, nos debruçarmos individualmente sobre cada uma destas questões e buscarmos nos munir de um conhecimento que nos impeça de sermos manipulados pela mídia ou pelo poder público. 
O que me surpreende é que algumas pessoas apoiem a violência policial e um esquema tático de guerra para a retirada dos estudantes da reitoria: armamento pesado contra livros. E ainda que estes sejam enquadrados como criminosos, fichados, indiciados por formação de quadrilha,  perseguidos e investigados, diante de tanta impunidade reinante no país. Nestes momentos é que devemos refletir sobre nossa propagada liberdade, conquistada a duras penas pelas gerações anteriores. Se nos for retirado, de forma arbitrária, o direito à livre manifestação de opinião, simplesmente por ser contrária as instâncias do poder, se formos impedidos de nos articularmos política e socialmente contra qualquer tipo de arbitrariedade, injustiça ou crime praticado por essas mesmas instâncias, não poderemos afirmar que vivemos numa democracia. 
Isso me faz pensar que, se a ideia de um retorno à ditadura militar for lançada de forma aberta (e não velada, como vem acontecendo), é capaz de se construir um grande apoio por parte da população mesma. É fato que muitos ainda pensam que a ditadura pode ser um bom remédio para os males sociais e políticos que padecemos. Pessoas ignorantes que não possuem o mínimo conhecimento do que isso representou e representaria para o nosso país e nossas liberdades individuais. Neste caso, creio que a morte do meu pai como de muitos outros terá sido em vão. 


"Pensar sem aprender é inócuo, aprender sem pensar é perigoso" Confúcio