quinta-feira, 27 de junho de 2013

"Não que ela seja incompetente, mas não tem a força de um homem"

Naquela manhã, muitos foram à padaria e tomaram um copo de consciência. Repentinamente acordaram para todos os problemas do país: desde os R$ 0,20 a mais no preço da passagem, até a corrupção que grassava. Pessoas, inclusive, que não tem um passado de lutas de classes, militância ou mesmo consciência política. Eram, em sua maioria, jovens estudantes de classe média. Alguns, inclusive, que nem andam de ônibus. Teriam eles visto um comercial na TV que tinha como slogan: #vem para rua e tomado esse como grito de guerra? Viram na televisão que haveria uma manifestação e decidiram aderir? Foram convocados através do Facebook para um "evento"? De quem será que foi a ideia inicial de usar a frase do hino nacional "verás que um filho teu não foge a luta"? Quem realmente articulou o movimento das manifestações? O MPL, grupo que antes não reunira mais de 2000 pessoas e que no dia 26/06 não conseguiu coptar mais que meia dúzia de manifestantes em frente à Câmera Municipal em protesto a favor da CPI dos Transportes?
Quais os reais interesses e quem está realmente por trás da articulação de uma série de violentas manifestações no país que deixaram um saldo de mortos e feridos, destruição e saques?
Vocês acham possível que tenhamos sido alvos de um golpe de estado insidioso, cujo maior objetivo era desmoralizar uma presidenta de esquerda, ex-militante, presa e torturada pelo Regime Militar, que instaurou uma Comissão da Verdade que por sua vez iria revelar os esqueletos nos armários de muitos? Entendamos aqui que o golpe de estado não significaria necessariamente depor a presidenta, mas sim tornar impraticável sua governabilidade, obriga-la a determinadas ações ou reações para "atender a demanda" do "povo" e a fazer alianças e concessões. Vocês acham isso legítimo ou  consideram um desserviço ao processo democrático em andamento no país?  
Ou talvez possam pensar que todos esses questionamentos apresentados sejam resultado de pura paranoia de esquerda. 
O que vejo é que o povo foi às ruas e agora "sente perigosamente que é capaz de tudo"*. Talvez ainda o povo não tenha se dado conta de ter sido, a um só tempo, isca e alvo.
Alguns relatos para reflexão, tentando (mas não muito) evitar uma "teoria da conspiração". 
1. Haddad anuncia que vai aumentar o preço da passagem abaixo da inflação em janeiro de 2013. A primeira manifestação contra o aumento data de 6 de junho. As manifestação acontecem durante a Copa das Confederações, quando então o mundo todo está com o olhar voltado para o Brasil e Dilma. A Fiat veiculou a campanha "Vem para a Rua" algum tempo antes das manifestações. Vamos pensar que alguém teve a feliz ideia de usa-lo. Quem é o autor dessa ideia?
2. No princípio, a imprensa (em uníssono) mostrou os manifestantes como vândalos e apoiou o uso da força policial para manter a ordem (talvez isso tenha sido sutil, para mim ficou bastante evidente). Quando jornalistas foram feridos e presos, o discurso mudou. Num segundo momento, a imprensa passou a declarar (em uníssono) que as manifestações seguiam pacíficas, salvo pela ação de alguns "baderneiros" que insistiam em plantar o terror, usando do recurso escuso, em alguns momentos, de fechar a câmera sobre um pequeno grupo para dar a impressão de um grande volume. Depois passaram a dar uma cobertura (em uníssono) das "atrapalhadas" do Governo e paralelamente a reforçar as revisões e "conquistas" como a derrubada da Pec37 para finalmente passar a dar destaque aos custos da maquiagem da Presidenta Dilma ou textos que a depreciam politicamente. Logo menos estavam publicando sobre as empresas que preferem homens para determinados cargos às mulheres porque eles são mais o que? Objetivos? Competentes? Racionais? Porque isso agora, povo da imprensa?
3. As reivindicações dos manifestantes, do preço da passagem ao impeachment da Dilma, foi um pulo. De lá para cá seu governo e sua imagem sofreram sérios ataques nos levando a crer que, mesmo que consiga chegar até o fim do mandato, tornou-se inelegível. O provável resultado dessa "ação espontânea" e "mobilização da opinião pública" eu ainda desconheço, mas sinto que nossa frágil e jovem democracia corre riscos de vida, e que a imagem da mulher no poder sofreu um tremendo baque. A frase do título é, obviamente, de um homem se referindo a Presidenta Dilma Roussef. Pode esperar que ouvirá muitas declarações como essas nos próximos meses. 
Detalhe: houve a presença massiva de grupos de direita e extremistas como os skinheads nas manifestações; muitas das ações de depredar e atear fogo em objetos aconteceram de forma isolada em locais próximos das manifestações (como o que assisti de minha janela por duas ocasiões), como se o objetivo fosse instaurar o caos; um dos manifestantes que tentavam invadir o prédio do Itamaraty era um fuzileiro naval (porque um membro das Forças Armadas participaria de uma invasão de um orgão público?). E somente agora o MPL desconfia que "talvez" hajam agentes infiltrados nas manifestações com o objetivo de incitar a violência. Ok, então... Se há o caos, é necessária a  restauração da ordem. E quem, senão o exército poderia restabelecer a paz nas ruas do país? 
Bem, pessoas! Espero realmente que Augusto de Campos esteja certo em seu texto publicado no portal E-Governo, sobre a inteligência coletiva como o catalisador das manifestações. E tudo o que encontrarmos de semelhanças do que vem acontecendo no nosso país com o Golpe de 64 sejam mera coincidência.

*frase de Denise Stoklos

terça-feira, 25 de junho de 2013

"O problema do face são aqueles que não mostram a face"

Vimos nos últimos dias a eclosão de um nuvioso movimento que se inciou com uma manifestação em protesto ao aumento da passagem de ônibus de R$ 3,00 para R$ 3,20, degenerou em cenas de violência e culminou na ameaça da Fifa em retirar a Copa do nosso país devido aos protestos e consquente falta de segurança e ao clamor de alguns pedindo o Impeachment da Presidenta Dilma Roussef.
Os protestos foram articulados em sua maioria através do Facebook, que tornou-se a principal rede social em âmbito mundial e o maior fenômeno de comunicação em massa dos últimos tempos. O grande problema disso é que muitos dos organizadores dos movimentos não mostram suas caras nem revelam suas identidades. Muitos manifestantes vão as ruas com os rostos cobertos por camisetas ou bandanas, misturando-se a multidão, gritando palavras de ordem e incitando os demais, como pastores no meio de ovelhas.
Travestido de um movimento espontâneo e apartidário, com direito a bandeiras dos partidos queimadas e militantes agredidos, as manifestações resultaram em um grande desgaste do Governo Dilma, que em menos de uma semana deu uma declaração nebulosa, propôs um plebiscito para reforma política e recuou, o que mostra as dificuldades que o governo enfrenta em face dos últimos acontecimentos.
Num primeiro momento, pessoas foram às ruas, entusiasmadas com a liberdade de expressar-se, como se estivessem num Carnaval ou algo do gênero, sem entender a gravidade de seu engajamento. Logo no início já podia-se notar que o enfrentamento se daria, o clima começou a tensionar e houve confronto com a Polícia, enquanto a imprensa apoiava a violência dos policiais contra os "baderneiros". Depois, como um formigueiro que foi pisado, mais pessoas foram as ruas, a Polícia Militar recuou e manteve-se passiva, houve mais violência e saques. A imprensa começou a falar em uníssono em "uma manifestação pacífica" e "atos isolados de vandalismo". O ápice dava-se com um jovem com máscara incitando os manifestantes a quebrar o prédio da Prefeitura de São Paulo, logo depois identificado como o estudante de Arquitetura Pierre Ramon de Oliveira. 
Uma máscara que tornou-se item obrigatório do kit-manifestante versão 2013 (que inclui também cartazes, tinta spray, cerveja heinekken e trouxinha de maconha) é a que reproduz o personagem do filme V de Vingança (leia aqui a história da máscara e outros esclarecimentos), também utilizada pelo Anonymous, que se diz um não-grupo, não partidário, uma legião, uma ideia. 
Eu particularmente não confio em quem não mostra a cara porque nunca sabemos quem é e a serviço do que está o indivíduo atrás da máscara. E você?

O poder de alguns

imagem do filme A Onda
"Sabe quando você morde o lado interno da bochecha? Não quando morde, mas quando aperta muito forte sem querer? Sabe a sensação que sente logo depois, uma sensação em câmera lenta, de desejar que não acontecesse? A dor de inchar e encher os olhos de água? E não há nada que você possa fazer... Não há volta nem alívio para esse momento, nem a chance de mudar as coisas nem que seja um pouquinho.... A dor cresce e se espalha e você se contorce. Você pede a Deus que não tivesse acontecido, mas aconteceu. Agora você tem de viver com isso. Mas o pior é que nunca acontece na última garfada. Agora a comida está arruinada porque a boca fica pulsando e depois choques de realidade repentinos correm por sua cabeça: essa vida nunca vai deixar você voltar atrás e se livrar da dor. Está lá e todos temos de aprender, temos de aprender a lidar com isso. Porque apertar a cabeça na velocidade da dor? Ninguém que está vivo pode evitar. Sei que estão bravos, mas não lidem com a dor provocando mais dor. Por favor, irmãos, não provoquem mais dor." (discurso da personagem Few, uma menina de uns 10 anos, no filme The Power of Few - Few é a personagem mas também pode ser traduzido como O Poder de Alguns - de Leone Marucci).
Creio que muitos dos que foram às ruas participar das manifestações nos próximos dias sentirão essa sensação que Few descreve, se identificarão com este texto. Mas eu responderia a Few: sim, temos de aprender com isso e não podemos fugir da dor e tampouco lidar com ela provocando mais dor; mas não podemos nos esquecer, jamais, do que a causou inicialmente, de nossas ações e do resultado delas, para que não voltemos a repeti-las.
Sobre as manifestações, meus jovens amigos e parceiros de trabalho, colegas de minha filha e filhos de meus amigos foram as ruas em massa, incitaram outros que fossem, criticaram duramente os que não foram e se deliciaram por alguns breves momentos com a sensação advinda da união.
Gostaria de fazer um apelo para que os que não assistiram o filme A Onda - um filme de Dennis Gansel, de 2009 - que assistam e que aos que assistiram, que o revejam sob a luz dos fogos ateados ao lixo e aos caminhões de reportagem durante às manifestações. Ele ilustra muito bem como um único indivíduo (ou grupo) é capaz de influenciar uma massa de pessoas sequiosas por mudanças, e conduzi-la como rebanho.
Neste filme, você encontrará muitos dos elementos presentes nas manifestações (incluindo o uso da roupa branca - o branco representando unidade, não-identidade e sendo utilizado por grupos apartidários ou extremistas - e o que acontece aos dissidentes).
E reflitamos: um dos principais fatores que levam as pessoas a se organizar em grupos para manifestar-se é a necessidade de pertinência (sentir-se pertinente a um grupo), de mudança de status quo (insatisfação), de importância (participar de um evento histórico, fazer parte da história) e até mesmo de compartilhar dessa energia pulsante e viva que o grupo emana, o que qualquer grande evento de rock pode proporcionar.
Aos que estiveram presentes a essa grande festa do povo hipoteticamente se manifestando por seu direito de se manifestar e que continuam se manifestando, fica a questão: pense no que o motivou inicialmente, como isso se deu, o que você aprendeu e ganhou com isso, na provável (e não provada) articulação de um ou mais grupos cujo objetivo (talvez escuso) ainda pode estar um pouco nebuloso e nas prováveis reverberações do movimento.
Afinal, se o gigante realmente acordou, não o deixemos dormir novamente. Vamos fazer o barulho que for preciso para que ele possa se manter realmente desperto.

"A paz dos profetas e a angústia dos que amam a democracia"

imagem da propaganda de Johnny Walker
Estou retornando a este blog porque o "gigante acordou", porque as pessoas foram às ruas movidas por um ímpeto de mudanças, influenciadas pelas redes sociais e pela e mídia, manipuladas mal sabe-se ainda por quais grupos ou interesses. Estou retornando porque eu acordei, porque abri uma porta que fechara há muito tempo. Eu sou, literalmente, filha da ditadura. Meu pai era um militante comunista e foi morto durante o Regime Militar, nos idos de 1972. Desde cedo, optei por não me engajar politicamente, muito embora tenha votado desde sempre no PT e ajudado a eleger o Lula e a Dilma. Herdei do meu pai o inconformismo, mas não a militância. Vejo que estava errada. Hoje, vendo a jovem democracia não consolidada de nosso país indo para a UTI em estado grave, vejo que talvez sua morte e de muitos outros que lutaram contra a ditadura militar tenha sido em vão.
Desde o princípio das manifestações eu senti algo estranho no ar. Como moradora da região no entorno da principal avenida de São Paulo onde essas ocorreram, sentindo-me privada de meu direito legítimo de ir e vir e de discordar, quase subordinada a um toque de recolher, assistindo de minha janela as ruas literalmente pegando fogo por ação de grupos que não pareciam "não ter uma bandeira política", senti a tensão crescendo em mim e no ambiente culminando numa perplexidade atônita. O desejo era gritar: "o que vocês estão fazendo?". Porém, na primeira semana do conflito resolvi silenciar e observar, lendo tudo o que podia sobre o que estava acontecendo, de várias fontes e não somente da imprensa oficial e me informando através de pessoas que participaram das manifestações, professores e militantes de esquerda. Constatar o que os manifestantes ajudaram a desencadear foi realmente assustador.
Hoje, após os primeiros e óbvios resultados da tal "revolução das ruas", sinto-me no direito (e quase na obrigação) de compartilhar tudo o que vi e ouvi durante os tais "sete dias que mudaram o Brasil" (e que foram, na verdade, bem mais que sete dias).
O que assisti principalmente foi uma grande mobilização das massas através das redes sociais, por isso o retorno ao tema Consciência na Rede e do blog que existe desde os idos de 2007, quando publiquei como co-autora da perita digital forense Arlete Muoio, o livro Crimes na Rede - O Perigo que se esconde atrás do Computador, onde buscávamos denunciar e orientar os usuários sobre os riscos do uso não consciente da Internet e redes sociais. Este blog foi uma tentativa de expandir a reflexão sobre em quais frequências sintonizamos nossa energia e qual a contribuição estamos dando individualmente para o advento de uma consciência coletiva, que resultou no livro Consciência na Rede - Reflexões sobre a Vida Cotidiana.
Acompanhe, nas próximas horas, tudo o que venho descobrindo acerca do aparente movimento "espontâneo" de insatisfação do "povo" que foi às ruas para reivindicar seus direitos e minhas reflexões acerca do poder da mídia e das redes sociais em incitar, mobilizar e manipular o indivíduo.
Depois de tanta tensão, hoje sinto "a paz dos profetas... e a angústia dos que amam a democracia".