sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Que todos os dias sejam uma celebração

Mais um ano que se vai e mais um ano com vocês. Agradeço a presença e atenção de todos que aqui chegam vez em quando e aos que me acompanham desde sempre. 
Nesta época costumamos fazer uma pequena avaliação de como foi o ano que passou e também criar inúmeras proposições para o ano seguinte. Porém, a passagem de ano acontece de fato somente no calendário. Porque o tempo é uma linha constante e mutável, que se curva vez por outra. Então por que não nos acostumamos a fazer uma revisão diária? Quem sabe semanal ou mesmo mensal? Por que não fazemos proposições todos os dias? E as cumprimos. Por que não nos deixamos mover pelo espírito de  união, solidariedade, compaixão e amor todos os dias? Por que não planejamos nossas vidas passo a passo, dia após dia; e renascemos com o dia como renascemos com o ano? Por que não reavaliamos nossas ações todos os dias e procuramos mudar? Por que não revemos nossas crenças e decisões limitantes? E por que não as substituímos por crenças possibilitadoras de atingir os objetivos e alcançar esses sonhos que perfilamos no papel a cada final de ano? 
Você não precisa de um dia especial para tomar decisões sobre como redirecionar sua vida. Você certamente não precisa de nenhum ritual para iniciar um processo de renovação. Não precisa acender velas, pular sete ondinhas ou atirar flores ao mar para ter sorte. Porém, pode fazer tudo isso se aprecia. Por que não sempre? Não diria todos os dias, mas... por que somente na passagem de um ano para outro no calendário?
Por que vestir branco somente no Ano Novo? E por que abraçar as pessoas e dizer que as ama somente em datas especiais? E por que prometer a si mesmo ter mais disciplina, mais comprometimento, mais foco, mais alegria, mais leveza ou qualquer outro atributo que quer na sua vida, somente uma vez a cada ano e passar o resto do próximo ano descumprindo tudo isso?
Por que não começar hoje, no dia 1 de janeiro ou em qualquer outro dia do ano a se tornar tudo aquilo que quer ser? Sim, você pode isso e muito mais. Assim como eu. Todos os dias do ano. Você pode começar hoje mesmo a viver uma vida mais plena de sentido, mais de acordo com seus valores pessoais e desejos, uma vida que valha a pena ser vivida. 
Então, quando é mesmo que você vai dar o primeiro passo em direção a seus objetivos e sonhos? 

Em tempo, desejo a todos - todos os dias e não somente uma vez por ano - alegria renovada, leveza de corpo e de alma, saúde em todos os aspectos, crescimento e expansão em todos os sentidos e claro, muito amor. E que todos os dias sejam uma celebração da vida. 


segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Autoconhecimento, ferramentas de desenvolvimento e preconceito

Retornei há pouco de uma imersão no módulo básico de Hipnose Ericksoniana ministrado pelo incrível e espirituoso, Dr. Stephen Paul Adler, num recanto maravilhoso na Serra do Japi. Estou começando a realizar um sonho há muito acalentado, que é estudar Hipnose Ericksoniana, uma vez que sou completamente apaixonada pela obra de Milton Erickson. Alguns amigos que provavelmente não entendem esta minha inclinação, ao saberem que eu iria para o curso, brincaram que eu voltaria com mais poder e que passariam a me temer. Eu respondi, também em tom jocoso, que o único poder que me interessa é o poder sobre mim mesma. Mas isso é bem verdade. 
Tenho analisado, nos últimos dias, o que me atrai em alguns homens como Milton Erickson. E creio que é, principalmente, a congruência. Esta é uma qualidade rara. Além, é claro, de se debruçarem sobre si mesmos e seu  percurso de vida, vencendo desafios exteriores e superando os limites pessoais, dominando de tal modo a si mesmos e com tal conhecimento sobre sua própria biografia ou ofício que chegaram ao ponto de criarem um método. Posso citar ainda Joseph Beuys, o escultor alemão por muitos considerado como uma espécie de xamã, o brilhante músico Tom Waits (qualquer um que já assistiu a uma entrevista dele da década de 70 percebeu a transformação bem como a maturidade e serenidade alcançadas) e mesmo o mais jovem mestre espiritual do momento, Eckhart Tolle, que passou por uma intensa crise de pânico e sobreviveu para relatar a cura e a magia que reside no simples ato de estar presente no aqui-agora. 
Milton Erickson tem uma história difícil: contraiu poliomelite aos 17 anos e quedou paralisado em uma cama com um respirador automático, quando então só conseguia mover os olhos. O avião de Joseph Beuys foi alvejado durante a guerra e caiu sobre os montes da Criméia. Posteriormente foi acometido de uma crise depressiva que durou três anos. Tom Waits foi um alcoólatra que vivia em hotéis baratos e Eckhart Tolle era depressivo e suicida. E todos eles construíram uma bela obra a partir de suas vivências. 
Eu acredito que dentro de cada um de nós existe um núcleo indevassável e indestrutível.  Sensível aos ossos como sou, tenho testado essa teoria com bastante freqüência, diante de eventos sobre os quais tenho pouco ou nenhum controle, como as escolhas e ações de outras pessoas que podem afetar a mim e o curso de minha vida. Isso nem sempre é evitável, visto que vivemos em bando e estamos todos conectados. 
Creio que passamos a maior parte do tempo numa espécie de transe ruim, como Tom durante suas bebedeiras ou o pavor que Eckhart experimentou. Essa bad trip pode ser provocada por fatores externos desfavoráveis ou condições internas desequilibradas ou simplesmente uma perfeita combinação de ambos. Os meios de comunicação em massa contribuem para que mergulhemos um pouco mais profundamente neste transe negativo. Nós estamos constantemente induzindo este tipo de transe uns nos outros. 
Quero acreditar que um bom antídoto para isso seja utilizar nossa própria capacidade de sintonizar e focar para colocar nossa atenção em coisas, pessoas, condições e eventos mais favoráveis; em sintonizarmos e focarmos em nossos melhores recursos, escolhermos os caminhos que fazem mais sentido dentro de nosso sistema ético ou moral e os relacionamentos que ecoem com nossa verdade pessoal. Buscarmos congruência. 
Então, respondendo às eventuais dúvidas que algumas pessoas podem possuir sobre a hipnose, entrar em transe é o simples ato de estar presente em si mesmo, no aqui-agora, através de auto-observação, respiração e foco mental, permitindo um acesso ao grande caldeirão do inconsciente. É sabido que o cérebro humano tem o transe como fator de regulagem, o que acontece naturalmente durante 10 minutos a cada 60 minutos. Isso acontece com você enquanto está focado na sua xícara de café pela manhã a ponto de não prestar atenção aos ruídos e movimento ao seu redor, quando está profundamente concentrado em uma leitura ou mesmo em um jogo de futebol, ou quando simplesmente está fitando o movimento das copas das árvores dançando com o vento. 
Desse modo, transe é um estado absolutamente natural que acontece com 100% das pessoas. Sobre a hipnose, há três tipos distintos: a hipnose de palco - aquela em que um sujeito coloca outro em transe para entretenimento de uma platéia, responsável pelo medo e preconceito infundido contra esta prática;  a hipnose clínica - em que o hipnoterapeuta tem domínio sobre o processo e o cliente não possui nenhuma autonomia sobre o mesmo; e finalmente a hipnose ericksoniana - em que o hipnoterapeuta se utiliza da linguagem do cliente para auxiliá-lo a entrar em transe, com o objetivo de equilíbrio ou cura, respeitando totalmente a sua identidade e autonomia. Para que o processo aconteça, é preciso que tanto um quanto o outro estejam completamente presentes na ação e em uma fina sintonia um com o outro. Parte-se do princípio que o terapeuta conduz o cliente no caminho da auto-hipnose. E há inúmeros benefícios da hipnose, mas o principal é aprender a pensar e criar, encontrando maneiras de fazer as pazes com os problemas e dores da vida
Decidi escrever sobre o assunto porque tenho visto o modo que muitas pessoas, por desconhecimento ou mesmo preconceito, tratam alguns temas do campo do autoconhecimento e desenvolvimento pessoal com reserva ou mesmo certo desdém. É o caso do Coaching, outra formação que fui buscar recentemente, com o objetivo de aprimorar meus conhecimentos e adquirir uma ferramenta de auxílio nos processos de transformação pessoal, meu e de meus clientes. 
O Coaching é uma metodologia de desenvolvimento humano baseada em foco no futuro, aprendizado constante e ação, caracterizado por um processo sistematizado, estimulante e criativo e por uma parceira entre o Coach (profissional) e o Coachee (cliente), onde se cria um contexto transformacional para o desenvolvimento da performance e alcance de objetivos, com resultados mensuráveis. O principal benefício do Coaching é desenvolver autoconhecimento e criatividade. Que algumas pessoas vejam o Coaching como modismo e uma espécie de caça-niqueis, eu até compreendo. Basta ver a quantidade de cursos de formação que proliferam no mercado bem como de pessoas que os buscam como uma alternativa profissional ou financeira.
É uma questão bastante complicada que tantas pessoas saiam aplicando essas metodologias não possuindo necessariamente habilitação humana para isso. Talvez isso é que 'queime o filme' dos profissionais comprometidos e responsáveis e gerem preconceito sobre as ferramentas. E não estou falando de habilitação enquanto certificação, visto que não acredito que o papel é que autoriza o sujeito à qualquer prática, senão o conhecimento. Eu mesma sou uma autodidata por excelência - vinda de uma longa linhagem de autodidatas - não possuindo certificação para a maioria das matérias que são a base do meu conhecimento (psicanálise, psicossomática, bioenergética, filosofia e arte). Disciplinas que estudo desde os 15 anos de idade, quando então iniciei uma pesquisa sobre esquizofrenia através de compêndios de psiquiatria em bibliotecas públicas, o que me levou a começar a fiar a tessitura do meu estofo intelectual. Da salada mista que é o meu conhecimento, fui buscando acrescentar o tempero da vivência pessoal, do estudo e da prática constante e criando minha própria receita. A cozinha da Malu costuma estar sempre muito ativa. 
Busco o que admiro nesses homens que citei: usar o conhecimento para, antes de tudo, debruçar sobre minha própria biografia, superando limites e vencendo obstáculos. E busco, acima de tudo, congruência. O maior desafio é, certamente, a disciplina. Nada como um bom processo de self-coaching e boas doses de auto-hipnose para atingir esse objetivo. 
Deste modo, pretendo fazer jus a linhagem da minha família bem como de todos os professores e mestres que cruzaram meu caminho e como, Stephen Adler, me brindaram com sua competência em ensinar a aprender. Do autodidatismo à excelência, devo estar por aí, na metade do caminho. Tornar-me-ei, cada vez mais, como boa autodidata, 'ignorante por conta própria' ou 'professora de mim mesma'. Afinal de contas, quem é que nos ensina e autoriza senão nós mesmos? 



quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Retorno à ditadura ou 'a democracia é uma falácia?'

Grafite de Bansksy
No dia da reintegração de posse do prédio da reitoria da Universidade de São Paulo, recebi uma visita inesperada: um colega de minha filha, cadete do exército. Tive a possibilidade de conversar com um jovem questionador (que conta os dias para o término do serviço militar obrigatório) sobre a formação de um militar, seja ele do exército ou da polícia. Obtive informações preciosas que desconhecia, entre elas, que os policiais militares que integram o contingente de 'praças', responsáveis pela segurança da comunidade, são os mais mal formados da Academia. São excluídas da sua formação as disciplinas de psicologia, sociologia e filosofia que consta do currículo dos demais profissionais, que estudam cerca de quatro anos antes de assumirem suas posições profissionais, como a tropa de choque, por exemplo. O 'praça' estuda somente oito meses. Este mesmo jovem questiona que, excluídas essas disciplinas da formação dos policiais, entre outros questões, não se pode esperar que os policiais aprendam a pensar e discernir suas ações na comunidade. 
O que se podia esperar da ocupação de uma universidade por uma força militar e com esse nível de despreparo para lidar com, digamos, seres humanos? Com uma formação desse nível e pouca ou nenhuma orientação, como é possível que este sujeito seja capaz de distinguir prioridades no combate ao crime? É possível que estes não saibam que não há pena privativa de liberdade nem de prisão prevista àquele que pratica a 'posse de drogas para consumo pessoal.' (Art. 48, § 2º da Lei nº 11.343/06)? 
Não estou aqui a defender o uso indiscriminado de maconha no campi, mesmo que tenha de admitir que a grande maioria dos jovens faz uso de álcool e drogas; tampouco estou justificando as ações de nenhuma das duas partes envolvidas. Considero a violência injustificável, mesmo que seja atirar uma simples pedra em alguém. Porém, é fato que a ocupação por parte dos estudantes está muito mais legitimada pela dita democracia do que a invasão do espaço democrático da universidade por uma força militar a serviço de interesses políticos. "A ideia da autonomia universitária é forte no Brasil, desde os anos 30, e se tornou particularmente forte durante o período autoritário. À partir daquele momento, autonomia universitária foi entendida com a ausência de aparatos de segurança do estado (autoritário) das universidades.", afirma Leonardo Avritzer
Porém, o que assistimos, embora parte da opinião pública se manifeste contra os estudantes que teve sua imagem devidamente denegrida pelas autoridades e pela imprensa - o que prova não só desrespeito quanto uma ausência de conhecimento e incapacidade de reflexão, em outras palavras, de senso crítico - é uma ação política repressora por parte de um reitor autoritário, apoiado por um governo bastante suspeito no que se refere a manutenção de um estado democrático. O que pode parecer para parte da população uma simples questão entre 'filhinhos de papai maconheiros e desocupados' e a polícia (acredite, é isso que tenho ouvido 'a boca pequena'), tem se configurado como uma lufada de ar que vem derrubando o castelo de cartas armado pelo atual governo. Um governo que se utiliza de esquemas táticos e de uma polícia extremamente preparada para o combate ao crime, como o GOE, para reprimir manifestações estudantis, não o faz sem estratégias previstas para fins que a maioria de nós desconhece. 
Espero que a imprensa seja tão implacável contra Alckmin e sua trupe quanto tem sido contra os estudantes, já que parece impossível esperar que seja neutra. Aliás, as vezes me pergunto o quão mais preparados que os 'praças' para lidar com, digamos, seres humanos estão os jornalistas de nosso país. 
Este evento não pode ser considerado um fato isolado porque traz a tona uma infinidade de questões a serem pensadas e discutidas a luz da consciência e da prática democrática. Seria importante, neste momento, nos debruçarmos individualmente sobre cada uma destas questões e buscarmos nos munir de um conhecimento que nos impeça de sermos manipulados pela mídia ou pelo poder público. 
O que me surpreende é que algumas pessoas apoiem a violência policial e um esquema tático de guerra para a retirada dos estudantes da reitoria: armamento pesado contra livros. E ainda que estes sejam enquadrados como criminosos, fichados, indiciados por formação de quadrilha,  perseguidos e investigados, diante de tanta impunidade reinante no país. Nestes momentos é que devemos refletir sobre nossa propagada liberdade, conquistada a duras penas pelas gerações anteriores. Se nos for retirado, de forma arbitrária, o direito à livre manifestação de opinião, simplesmente por ser contrária as instâncias do poder, se formos impedidos de nos articularmos política e socialmente contra qualquer tipo de arbitrariedade, injustiça ou crime praticado por essas mesmas instâncias, não poderemos afirmar que vivemos numa democracia. 
Isso me faz pensar que, se a ideia de um retorno à ditadura militar for lançada de forma aberta (e não velada, como vem acontecendo), é capaz de se construir um grande apoio por parte da população mesma. É fato que muitos ainda pensam que a ditadura pode ser um bom remédio para os males sociais e políticos que padecemos. Pessoas ignorantes que não possuem o mínimo conhecimento do que isso representou e representaria para o nosso país e nossas liberdades individuais. Neste caso, creio que a morte do meu pai como de muitos outros terá sido em vão. 


"Pensar sem aprender é inócuo, aprender sem pensar é perigoso" Confúcio


quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Hipnose coletiva - você ainda participará deste fenômeno

Para quem vem pela primeira vez, adianto que aqui pratico o hábito de relacionar temas aparentemente díspares, de modo que... não se assustem. Para os leitores, aviso que é mais um dos textos em que misturo alhos com bugalhos para ver se dá um bom tempero.
Tenho observado um fenômeno que acontece em diversos setores da sociedade, desde o mercado de consumo até um movimento político estudantil, como o que assistimos recentemente durante a ocupação do prédio da FFLCH, na Universidade de São Paulo - por ocasião de um manifesto dos alunos contra a ocupação do campus pela Polícia Militar e manifestações da opinião pública sobre o assunto.
Este fenômeno a que me refiro é caracterizado por um alto grau de suscetibilidade à influência do outro, do meio, dos eventos e da mídia, de modo que pouco espaço sobra para a liberdade de pensamento e escolha do indivíduo. Podemos classificar este fenômeno como uma espécie de hipnose global, ou transe coletivo. É um ir na onda, com o fluxo, sem questionar muito. Ou, como classificávamos na minha infância: ser 'maria vai com as outras'. 
Recentemente tive a oportunidade de observar a corrida por um bem de consumo portátil, um assessório feminino da moda, no qual não havia reparado até que me pediram que pesquisasse o preço do mesmo no 'free-shop', por ocasião da última viagem que fiz. Como quando gostamos de um modelo de carro e passamos a vê-lo em todos os lugares, comecei a observar a quantidade de mulheres que usam esses 'pequenos grandes mimos' de marcas que vão desde as nacionais e mais baratas, até de grifes como Michael Kors e Marc Jacobs. Refleti, então sobre o que leva as pessoas, neste caso, de adolescentes a jovens senhoras de classe média, a desembolsarem de UR$ 300 a mais de UR$ 1000 em um único acessório, como relógios e bolsas. O que isso representa? Isso é símbolo do que?
Como afirma Deepak Chopra usando um conceito de Grebory Bateson: prender-se ao símbolo, é como se instalar no mapa e não no território. Em outras palavras: usar um relógio Michael Kors não faz de nós milionários como usar lenços e camisetas cobrindo o rosto, portar cartazes com palavras de ordem e gritar lemas políticos não faz de nós  revolucionários. Tampouco assistir ao noticiário, ler revistas informativas e jornais e repetir chavões, faz de nós pessoas bem formadas. Informadas sim, é claro. Mas informação não é conhecimento.
A ocupação do prédio de administração da FFLCH foi motivado pela detenção de três jovens que fumavam maconha dentro do carro, por policiais militares, numa das ações que os estudantes da USP tem denunciado como truculentas e tem acusado como parte de uma estratégia do reitor João Grandino Rodas para enfraquecer as lideranças estudantis e iniciar a privatização da Universidade. Para quem não sabe, Rodas firmou um acordo com a Polícia Militar para melhorar a segurança do campus, após o aluno Felipe Ramos de Paiva ser assassinado no estacionamento do campus, numa tentativa de assalto.
O ato de ocupação não foi um fato isolado, motivado pelo desejo dos alunos de abrirem uma brecha na lei que lhes garanta o direito de praticar ações ilícitas (neste caso o uso de drogas) sem serem incomodados pelas autoridades. A ocupação advém da insatisfação acumulada resultante de experiências vivenciadas pelos alunos, professores e servidores, consequência de uma atitude repressora por parte da reitoria sobre práticas democráticas, como a abertura de inquérito administrativo sobre a paralisação de natureza reivindicatória dos servidores. Mas em nada essa ação pode ser comparada à luta dos estudantes pela queda da ditadura militar por ocasião do fim da década de sessenta até meados da década de 80. Essa é uma outra história.
Quem não estava presente no conflito do dia 27 de outubro não sabe o que iniciou os atos de violência: se as pedradas dos alunos contra os policiais foram uma defesa contra cacetetes e bombas de gás lacrimogênio, ou se a ação policial foi uma resposta defensiva. Resta ficar dividido entre os inúmeros vídeos postados pelos alunos no Youtube e as inúmeras reportagens em todas as mídias. Mas, como se diz: o jornal de hoje forrará a gaiola de amanhã. Para a maioria, isso é só mais um evento midiático que logo será esquecido; para os envolvidos continuará sendo um problema a ser solucionado, com reverberações políticas e sociais a longo prazo, para a sociedade.
Do lado de dentro da Universidade, os jovens se articulam numa discussão política com temas os mais diversos, liderados por representantes estudantis e políticos igualmente numerosos. Do lado de fora, são rotulados de maconheiros e arruaceiros por uma população que desconhece a função política e social da Universidade, sua realidade interna e o modo como se relaciona com o Estado. Quem nunca participou da rotina da USP ou estudou em sua estrutura sucateada sob a batuta de uma respeitada equipe docente e quem nunca refletiu sobre os meandros políticos e sociais do sistema de ensino público no Brasil, não deveria criticar a ação dos estudantes classificando-os de 'filhinhos de papai'.
A questão do sucateamento do ensino público, corrupção e desvio de verbas e ínfimo acesso da população mais carente ao ambiente da universidade (há quem se esforce muito para conquistar o direito a uma vaga, acredite!) é coletivo. Mas obviamente não é problema de quem tem condições financeiras para pagar um colégio de ponta ou cursinho pré-vestibular para o filho que lhe garanta uma vaga na Universidade. Tanto o jovem de classe baixa que abdica de parte de sua rotina juvenil para estudar para o vestibular, quanto o jovem de classe alta que estuda em escolas particulares extremamente exigentes, sofrem a pressão da competição acirrada e da cobrança, bem como da permanência na Universidade. Em outras palavras: se não é fácil entrar, quanto mais sair com um diploma.
Não sei se por serem submetidos a essa espécie de pressão social ou se por sofrerem ao serem privados de fazerem coisas por si mesmo, dar a vida e criar - como afirma Joseph Beuys-  que a esmagadora maioria dos jovens entre 15 e 30 anos são fumantes e fazem uso frequente de álcool e drogas. Basta ir a uma festa da USP ou caminhar nos bares no entorno da Universidade Mackenzie para comprovar esta afirmação. Essa é uma outra discussão.
O fato dessa ocupação ter ficado estigmatizada pela motivação inicial e modus operandi, pela atitude tendenciosa da mídia e pela opinião pública ignorante do sistema todo a enfraquece política e publicamente. Os estudantes da USP tem sido vítimas de preconceito e, como de praxe, todos os gatos tem sido atirados no mesmo balaio. Entendo perfeitamente isso, levando em conta que já não olho as donas dos braços e ombros femininos que portam grandes relógios e sofisticadas bolsas com iniciais de estilistas com os mesmos olhos, assim como não olho os estudantes das universidades, públicas ou privadas, de modo diferente uns dos outros. Posso estar sendo preconceituosa e tendenciosa ao afirmar que a grande maioria dos jovens hoje, independente da classe sócio-econômica a que pertencem, padecem do mesmo mal: são maria vai com as outras, vítimas do transe coletivo. A tal 'opinião pública', carente de uma formação consistente e vulnerável à manipulação da mídia e da publicidade e que consome notícias como consome produtos no shopping-center, ou seja, com mínimo ou nenhum senso crítico, soma a esses um enorme contingente de zumbis, muito bem direcionados por lideranças econômicas e políticas.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Heyokah - o Trikster Divino

Heyokah, também chamado de Koshari, é uma espécie de palhaço ou clown, originário dos povos nativos de diversas regiões. Muitas tribos utilizam estes personagens, que agem como professores bem humorados e que usam fantasias nos dias de cerimônias especiais e vestimentas comuns no dia-a-dia, mas nunca deixam de utilizar a brincadeira como uma forma de aprendizado. O Heyokah tem como objetivo fazer com que a pessoa pense sobre e a partir de si mesma, criando lições através da brincadeira e do riso e operando através dos opostos. É uma forma de fazer com que a pessoa não se leve tão a sério, desafie suas crenças e chegue a suas conclusões a partir de lições retiradas de sua própria experiência, levando-a a questionar se o que as pessoas dizem ou fazem é verdadeiramente correto. O Heyokah partilha sua sabedoria através do riso, fazendo com que a pessoa se dê conta de coisas das quais não se daria sozinha. O riso se constitui numa lição definitiva, rompendo os bloqueios que minam o equilíbrio das pessoas e diminuindo o medo. "O Heyokah sabe, como ninguém, dominar a arte do equilíbrio entre o sagrado e a irreverência. A verdadeira arte de saber como e quando utilizar a tática do Heyokah, consiste na habilidade de achar graça da maneira de ser do outro. O Heyokah é um verdadeiro mestre ao lidar com aquelas situações em que a teimosia impede o crescimento, usando elementos educativos das brincadeiras de uma forma que não seja nem cruel nem impositiva." Há na sabedoria do Heyokah um profundo conhecimento da natureza humana e grande compassividade. 
Em alguns momentos, ocorrem situações tragicômicas ou risíveis nas nossas vidas, em decorrência de repetição de velhos padrões de comportamento e crenças limitantes a respeito de nós mesmos, dos outros ou da vida. O verdadeiro Heyokah aceita os revezes com humor, reconhece os benefícios de saber rir de si mesmo e a importância de se levar a vida de um modo menos sério, rompendo os laços com os velhos hábitos que não lhe servem mais. Este representa o caminho sagrado da cura. 
Nós podemos representar Heyokahs nas vidas uns dos outros. Lembro-me certa vez, quando eu era muito jovem e havia ingressado para trabalhar no setor de recursos humanos de uma multinacional, me encontrava muito nervosa e ansiosa por acertar, fazer tudo direito e meu coordenador me solicitou que buscasse a assinatura de uma determinada pessoa no setor onde eu trabalhava. Eu fui de um em um, subindo andar a andar e ninguém sabia de quem se tratava. Ao chegar a secretária do Diretor de nosso departamento, ao questioná-la sobre onde encontraria aquele homem para assinar o documento, ela deu um sorriso discreto e respondeu que seria impossível, porque tratava-se do presidente da empresa que se encontrava na Suíça.  Constrangida, sem 'saber onde enfiar a cara', retornei para meu setor. Meu coordenador se dobrava de tanto rir. Naquele momento, ao perceber que fora vítima de uma 'pegadinha', de uma espécie de 'trote de boas vindas', não me restou outra coisa senão rir também e entender que eu poderia aprender com a experiência a não ser tão rígida, perfeccionista e ansiosa. 
E hoje ainda, em todos os momentos em que eu manifesto este padrão de comportamento em mim, a vida me presenteia com pequenos truques que estilhaçam os espelhos que exageram minha auto-importância ou o demasiado valor que costumo conferir às opiniões alheias. Nesses momentos, quando percebo que muitos de nós nos comportamos uns com os outros como crianças tolas, egoístas, mimadas, exigentes, teimosas e superficiais, vejo a importância dessas lições de opostos. Quiçá eu consiga aproveitar bem todas essas experiências para me tornar uma pessoa melhor para mim mesma e para os outros, viver com mais simplicidade e confiança e olhar para os eventos com mais naturalidade. Fluir com leveza e alegria como um balão solto no ar: talvez ele não saiba onde está indo, mas o vento certamente sabe onde o está levando. 
"O Trikster Divino constitui a perfeita integração de todas as energias, sábias e tolas, irreverentes e sagradas. Sempre que buscamos estas lições, devemos estar bem preparados para a aventura que vem a seguir. Precisamos estar dispostos a rir e permitir que os outros riam conosco. No instante em que o sentimento de celebração da Vida supera a necessidade de lamentação, teremos alcançado o estado de união definitiva dos opostos. É chegada a hora de recomeçar a rir, e de resgatar o direito divino de vivermos felizes, cumprindo o nosso sagrado papel de seres humanos."
Ofereço este texto a todos aqueles que recentemente tiveram de lidar com minhas crises e humores: amo vocês!!!

(referência - Jamie Sans "As cartas do caminho sagrado")


quinta-feira, 6 de outubro de 2011

You're innocent when you dream

Já me peguei algumas vezes pensando que gostaria de voltar a ser criança. Mas não no sentido de retornar ao passado, à minha infância, isso não. Tampouco gostaria de voltar a um momento em que não trabalhava ou não possuía responsabilidades porque gosto de ambos. Mesmo porque, de certo modo, não possuía muita liberdade e também a aprecio muito. Em outras palavras, quando se é criança, há restrições demais e autonomia de menos. O que invejo nas crianças e desejo intimamente voltar a sentir e possuir, é o deslumbramento diante da vida e a inocência. Estar presente na vida com simplicidade, olhar para as coisas como se fosse a primeira vez, entregar-se às experiências como se fosse a última. É isso que gostaria de repetir, dia após dia, minuto a minuto. Mas o instante nos escapa. E o real nos atropela.
O 'mundo adulto' é muito estranho, carregado de códigos de comportamento de uma complexidade desconcertante, cercado de regras morais e gabaritos sociais e um manual de como driblá-los sem punições, quer seja nas macro ou nas micropolíticas.  Embora não vivamos numa ditadura, somos submetidos às ditaduras das relações, da cultura, da beleza, do sucesso e por aí afora. Há pouco espaço para a espontaneidade, honestidade e a sinceridade. Para ser simplesmente quem se é. É reservado aos muito jovens, aos muito velhos, aos loucos e aos santos, viver pelo que se é, dizer o que se pensa e sentir o que se sente da forma mais natural. É possível que nem a estes, já que todos nós vivemos nessa imensa Matrix. 
Então me agarro aos breves momentos em que me sinto criança novamente, no sentido de inocência, descoberta e risco, pisando nas pedras sobre o rio, me equilibrando para não cair e me afogar. Há aquele momento em que o medo se insinua, seguido pela emoção mais pura quando se descobre que você pode mergulhar e voltar a tona. E que, mesmo que você morra naquele momento, morrerá feliz. Creio que é por esta sensação que as crianças se arriscam tantas vezes (ou se arriscavam, quando não eram tão cerceadas). E são chamadas de inconsequentes e irresponsáveis, nunca de inocentes.
Pois bem, todos somos inocentes quando sonhamos. 
Sempre gostei de pisar na terra, enfiar os pés na areia e construir castelos, escalar paredes, subir em árvores, correr e saltar. De contemplar, criando desenhos com os padrões dos azulejos e manchas na parede. De olhar através da janela o cimo da cabeça dos transeuntes e criar enredos. De viajar pelas ruas de Paris a bordo da bicicleta ergométrica de minhas irmãs, carregando comigo algumas peças de roupa na maleta da Olivetti. E de brincar com os pinos de jogos, como se fossem pessoinhas. E apreciava o simples exercício de me esgueirar em busca de uma réstia de sol, como uma gata, e dormitar por uns instantes. E de comer sem restrições e sem culpa, sem pensar se me faria mal, o que certamente rendeu alguns desconfortos físicos momentâneos. Não ligava para os joelhos ralados e exibia as cicatrizes como troféus. Amava as pessoas e contabilizava amigos, mas havia sempre uma 'melhor amiga' e um 'principezinho encantado' que ia mudando de identidade, sem apegos. 
Descobri o sentido de crueldade muito cedo e não só vendo um filme - cujo título não me recordo - em que um grupo de meninos prendiam asas nos braços de outro, que dizia poder voar, e o atiravam no precipício. Ou assistindo ao lacaio, interpretado por Michael York no filme "Adoráveis Sedutores", seduzir todos os membros de uma família aristocrata e matar quem se interpusesse no seu caminho. A crueldade e a malícia humana também se apresentaram no cotidiano, na observação do dito 'mundo adulto', no comportamento das pessoas. E continuo a me surpreender com ela, ainda que não seja mais tão inocente. 
Brinquei muito, até o momento em que deixei para trás as pessoinhas de pinos, a ergométrica e a maletinha, mas não as histórias. E ainda gosto de pisar na terra, enfiar os pés na areia, construir, escalar, correr e saltar. Ainda amo as árvores e as pessoas e gosto de contemplar, criando desenhos com os padrões dos azulejos e manchas na parede; de olhar através da janela sobre a cabeça dos transeuntes e de criar enredos; de me esgueirar em busca de uma réstia de sol. Adoro contabilizar amigos e não me importo de me machucar: tenho orgulho de minhas cicatrizes tatuadas no corpo e na alma.


segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Sou tal como me amo

Recebi essa frase paradoxal do Bachelard de minha amiga Monica Iaromila para coroar uma manhã cinzenta na nossa cidade de ‘areia e cimento e completo alheamento’*. Esse gris que nasceu com o dia, depois de ter assistido ao filme Melancolia, de Lars Von Trier, pareceu-me estranhamente melancólico, propício a reflexões. A frase 'sou tal como me amo' se configurou um pequeno enigma: torno-me aquilo que mais amo em mim ou me amo como sou? 
Venho há uns dias pensando sobre identidade, a minha e a do outro. O que dizer do outro, como o amamos? O que ele é ou o que gostaríamos que fosse? Fantasia e projeção. Gabaritos e papéis. Como crianças, vamos criando nossas estórias e distribuindo os roteiros. Para a coxia os maus atores, premiamos aqueles que seguem suas falas e atos de acordo com nossa idiossincrásica direção. Até se rebelarem, é claro. E decidirem criar suas próprias cenas. Aí, os lançamos ao ostracismo. E convocamos outros para testes, para serem coadjuvantes no nosso filme. 
Lorena Vita postou um vídeo em que Deleuze afirma que o charme das pessoas reside precisamente em sua demência e só podemos realmente gostar de alguém se captamos este ponto de sua loucura. Concordo totalmente com sua filosófica afirmação mas, ainda assim, sei que o conceito não resiste muita na prática do cotidiano, quando então a grande maioria de nós deseja estabilidade e segurança, espera e cobra isso do parceiro/parceira. Apaixonamo-nos pela loucura, mas na continuidade, preferimos certa lucidez. Talvez porque, como afirma Edson Moreira, sejamos ‘masoquistas submissos aos gabaritos sociais pois é mais cômodo seguir o rebanho’. Ou porque, no fundo, necessitemos mais de concreto que de areia movediça sob nossos pés. Já que de vertigem e angústia todos nós já possuímos um tanto, necessitamos menos da loucura que da lucidez, embora a primeira nos atraia mais.
E o que nos atrai em personagens como a Betty – do filme Betty Blue - esse traço singular e ligeiramente demente, é precisamente o que nos apavora no decorrer da trama. As excitantes surpresas de uma personalidade exótica podem rapidamente se transformar no nosso pior pesadelo. Por que comumente pensamos que temos controle sobre o gênio alheio se até nossa própria loucura nos escapa? 
A personagem Justine, do filme Melancolia, vai revelando sua própria fragilidade e no ápice da loucura encontra lucidez - porque ‘sabe das coisas’, segundo suas próprias palavras – para agir diante de um mundo que lhe é indiferente e a consome como a uma engrenagem. “O que você esperava?”, pergunta ela para um noivo atônito. 
E o que esperamos quando abrimos nossa porta para as Bettys entrarem com suas bagagens ou desposamos as Justines que nos seduzem com seu ‘canto de sereias’ para um Ulisses esfaimado? Que se transformem repentinamente em Marthas Stewarts? Se até ela agia segundo sua ‘própria lei’ até ser julgada e condenada pela ‘lei dos homens’...
Não alimentemos o traço de demência que confere a singularidade ao outro nos iludindo que, quando nos convier, magicamente o faremos desaparecer. Alguns pássaros é melhor manter soltos. Certa vez na minha infância, vi um pássaro selvagem enlouquecer de melancolia até a morte por ser privado de sua liberdade. Em cavalo indomado não se ateiam rédeas. Talvez por isso todos nós padeçamos, de um modo ou de outro, dessa certa dose de demência da qual Deleuze fala ou de depressão. Porque todos somos, de um modo ou de outro, pássaros e cavalos selvagens cada vez mais privados de seus instintos naturais, socados em caixas de papelão ou nos pequenos estábulos dos gabaritos que nos são impostos ou que nos impomos. É para isso que servem o processo civilizatório e a sociedade, para colocar termo nos instintos humanos, circunscrever-nos nas gaiolas de ouro ou metais menos nobres. Somos o gado na estrebaria, mantidos 'sob controle'.
E, como seria se não houvesse os gabaritos sociais e as leis, já que "a natureza humana é perversa”? Sobre isso, temos Sade, Von Trier, Trufautt, Malick,  Kieslowski e muitos outros para nos lembrar constantemente, para revelar nossa sombra. O que talvez nos falte é alguém nos lembrando de nossa luz, de que somos mais do que pó que ao pó retornará. Afinal, a lama é uma mistura de terra e água. A terra acolhe e a água iliba e ambas nutrem. Talvez nos falte mergulhar na lama de nossa própria loucura para sair lavados pela nossa própria lucidez. Afinal, quais os limites entre uma e outra? Não existe aí uma convergência?
Até onde sei, há um núcleo inabalável dentro de cada um de nós, que se encontra vez por outra em meio as tormentas emocionais, como a um bote salva-vidas. Aqueles que estiveram muito próximos das fronteiras de si mesmos e retornaram certamente sabem do que estou falando. E provavelmente se amam tal como são.
Só sei de mim, na loucura e na lucidez. E eu sou tal como me amo.



* paráfrase de Roseli Silva

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Ser ou não ser, eis a questão....

"La vida tiene errores que solo el arte puede corrigir"
Ontem fui conferir o maravilhoso espetáculo "Paranóia", inspirado na obra de Roberto Piva e dirigido por Ana Botosso, com a Companhia de Danças de Diadema e o GEM-Grupo Experimental de Música. Uma belíssima conjugação entre dois grupos que beiram a perfeição em suas expressões criativas e entre as linguagens da arte - literatura, artes visuais, música, dança e teatro - que sintetiza toda a visceralidade das relações humanas, os afetos, as projeções, os desejos, as frustrações e a subsequente melancolia. Posso arriscar que senti também ali bem representadas as ilusões que alimentamos sobre nós mesmos, o outro e o mundo; a liquefação dos relacionamentos, onde mal se desfaz uma conexão para logo ali adiante perfazer outra; as prisões voluntárias nas quais vamos entrando (de bom grado), porque amamos ou pensamos que amamos. 
Nessa minha trajetória, deparei com todo tipo de história sobre pessoas e relações e o que observei de semelhança entre uma e outra foi a dicotomia entre ser o que se é ou o que pensamos que o outro deseja que sejamos. E a evidente dificuldade de nos tornamos quem realmente somos e assumirmos isso perante o mundo. Ser ou não ser, eis a questão... Esta frase de Shakespeare - da peça Hamlet, escrita entre 1599 e 1601 - é atemporal porque esta permanece sendo a questão central em nossas vidas. 
Tenho assistido a todo tipo de manifestação desta dicotomia, principalmente nos círculos onde a imagem que a pessoa transmite ao mundo é importante, quando esta tem ou pensa que tem um 'papel' ou 'responsabilidade social' ou quando quer se convencer (e convencer o outro) de que é isso ou aquilo. E seria cômico, se não fosse ligeiramente trágico, observar quanto tempo alguém leva para 'deixar cair sua máscara'. 
Quantas pessoas assistimos criticando a 'corrupção na política' ou 'a perversidade do mundo corporativo' e que 'trapaceiam' em suas relações íntimas, enganando e mentindo para o outro para satisfazer suas próprias necessidades e desejos? 
"Faça o que eu mando mas não faça o que faço" parece ser o mote da maioria, principalmente de pessoas que se colocam na posição de mestres e líderes. Ou simplesmente daqueles que pretendem transmitir algum conhecimento ou sabedoria. Por quanto tempo conseguimos manter o equilíbrio entre nosso discurso e nossas atitudes? Quem é totalmente honesto, coerente e consistente que atire a primeira pedra. 
Quantos respiratorianos comprando junk food na calada da noite ainda teremos de surpreender para percebermos que grande parte do que nos vendem não passa de uma ilusão arquitetada para manter nossa atenção e nos levar a consumir novas ou velhas teorias? 
No fundo somos todos humanos, demasiado humanos. E enquanto estivermos nessa condição humana, seremos só promessas e devir e nunca o 'que realmente somos'. 
Bem, eu me incluo nisso, evidentemente. E tenho certeza que muitos já folgaram em me observar 'caindo em contradição' e 'perdendo a pose'. Por sinal, sou extremamente grata a uma pessoa em particular que ao me alertar para o fato de que eu 'não sou quem  penso que sou', me incentivou a buscar me tornar cada vez mais quem sou realmente. Longo percurso repleto de percalços. 
E com o reconhecimento de que não somos nada além de 'poeira de estrelas', da brevidade da vida e da transitoriedade das relações, hoje busco, cada vez mais, praticar a aceitação, a abertura e a presença. E falho o tempo todo, obviamente. Portanto, não se assustem 'se um dia eu chegar muito estranha'. Afinal de contas, 'de perto ninguém é normal'. 
E para aqueles que tem como bandeira filosófica como eu amor, abertura, aceitação e liberdade, vos digo: mais do que falar sobre isso, precisamos praticar. Quando há  consciência demais e consistência de menos, a equação fica insolúvel. 
Afinal, é somente no momento em que não há distância entre teoria e praxis ou entre mente e corpo que entramos no verdadeiro 'estado da arte', criando obras com 'o brilho da verdade' como o espetáculo 'Paranóia'. 


sábado, 30 de julho de 2011

O que você faria se só te restasse um dia?

Hoje pela manhã recebi de minha amiga Mônica Iaromila por e-mail, o vídeo com o depoimento de um sobrevivente do pouso de um avião no rio Hudson, em Nova York, na tarde do dia 15 de janeiro de 2009. Coincidentemente, ontem assisti a um filme, por sugestão de meu professor da formação de Coaching, Bruno Juliani, 'Poder além da vida', com o incrível Nick Nolte falando - com uma voz visceral estranhamente semelhante a do Tom Waits - e sabedoria insuspeita, a um jovem ginasta hedonista e arrogante cujo objetivo é trazer para casa a medalha de ouro das Olimpíadas. Ambos, o homem do acidente e o personagem do filme, vivem uma experiência que marca suas vidas para sempre e os transforma. 
Para mim ficou um aprendizado em comum: a vida é transitória e o que importa é o percurso, não a chegada; há sempre algo acontecendo e nada é ordinário. 
Há um incrível poder oculto no AGORA. Não um poder sobre si mesmo, tampouco o poder sobre o outro, mas tão somente o poder da PRESENÇA. 
A vida é breve e nós estamos sempre ou no passado ou no futuro, nunca no presente. E, em geral, sequer sabemos o que é realmente essencial para nós ou quem é realmente importante nas nossas vidas. 
Desse modo, desperdiçamos relações e experiências e continuamos projetando que seremos felizes quando...
O que você faria se só te restasse um dia? 



terça-feira, 26 de julho de 2011

Viver e consistir sem violência ou radicalismos

Mais uma vez somos surpreendidos por um massacre. E desta vez, como a imprensa tem reafirmado: na terra da paz. Será que não nos resta nada além de perplexidade? Talvez possamos buscar entender as motivações de tal ato, um elemento a mais para compreender o gênero humano e nos mover nas transformações que o mundo atravessa de forma equilibrada e consistente. 
O massacre em Oslo e na ilha de Utoeya, na Noruega, um país conhecido por baixos índices de criminalidade - no qual um único homem deixou um rastro de destruição e ceifou a vida de mais de setenta pessoas em um curto espaço de tempo e em territórios diferentes -  me levou a pensar sobre o quanto diferenças ideológicas, políticas e religiosas podem servir de combustível para alimentar e explodir o ódio.
Em seu manifesto intitulado 2083: Uma Declaração Européia de Independência, Anders Behring Breivik  declara "guerra de sangue" contra imigrantes e marxistas e critica o Brasil por sua 'revolução marxista' que redundou numa 'catástrofe' com a 'mistura de raças', resultando em figurar como um país de 'segundo mundo' por seu 'baixo nível de coesão social'. Confusões e idiossincrasias a parte, seu manifesto de 1518 páginas é um plágio dos documentos do terrorista americano Ted Kaczynski, o Unabomber. 
Quem leu o manifesto de Unabomber já sabe que se trata de um texto extremista onde usa de sarcasmo afirmando coisas como ‘não que eu esteja dizendo que este ou aquele seja inferior, mas que eles se sentem inferiores’ se referindo as ditas minorias: índios, negros, homossexuais e mulheres e rotulando de 'leftist' aqueles que defendem os direitos dessas minorias, bem como o direito dos animais, afirmando que eles próprios se identificam com seus defendidos porque se sentem igualmente 'perdedores'. 
"The leftist is antagonistic to the concept of competition because, deep inside, he feels like a loser." 
Anders Behring defende o 'uso de terrorismo para despertar as massas' e suas ações como 'atrocidades necessárias' revindicando a intenção de salvar seu país e a Europa do islamismo e marxismo. Ted Kaczynski deixou claro o que defende nesta frase acima. Muda o cenário sócio-político e econômico, alternam-se as ideologias e reivindicações, mas o discurso extremista se assemelha, a ação de violência é quase sempre idêntica e o fator central é sempre o mesmo: a COMPETIÇÃO. 
A competição é o que há de central na macropolítica e, convenhamos, se faz sentir todo o tempo nas micropolíticas. E competição é resultado de crença na falta e sentimento de desconexão. Por um lado você tem um homem ensandecido por questões ideológicas e políticas (e sabe-se lá quais outros fatores criam um assassino em massa) capaz de tal violência planejada, completamente desconectado de suas vítimas. Por outro você tem pessoas sofrendo com a morte estúpida de estranhos, em profunda conexão com o outro, prontos a um ato de solidariedade às vítimas ou famílias das vítimas. Em comum eles tem o fato de pertencerem ao gênero humano.
Coincidentemente eu estava assistindo ao filme Zeitgeist, de 2007, produzido por Peter Joseph. O filme critica abertamente o cristianismo e o judaísmo; afirma que não só o Governo dos Estados Unidos sabia dos ataques ao World Trade Center como que sua queda foi resultado de uma planejada demolição controlada pelo próprio governo para implantar a Lei Anti-Terrorismo e dar sustentabilidade a sua agenda política contra os países árabes; e por último, apresenta uma teoria da conspiração que acusa a elite econômica de crimes envolvendo o Banco Central dos Estados Unidos para deter o poder mundial. O filme conta com uma segunda edição, Zeitgeist Addendum, de 2008,  que trata de temas como globalização, manipulação do homem por grandes corporações e instituições financeiras, a insustentabilidade material e moral da humanidade e apresenta o Projeto Vênus como solução para os problemas da humanidade. E também possui uma instituição mundial chamada Movimento Zeitgeist, que tem como missão "sustentar uma mudança radical na forma como encaramos e conduzimos a vida, de modo a enxergarmos o mundo independente de fronteiras e reconhecendo a humanidade como família, sustentando, assim, alterações que proporcionem bem-estar para a população global e não apenas para pessoas/grupos privilegiados, substituindo o sistema monetário por uma economia baseada em recursos".
Uma bela premissa do GANHAR-GANHAR, baseada na ABUNDÂNCIA, envolta num excelente discurso e pesquisas científicas. Porém o modo como foi apresentada no filme é sofrível, atacando de pronto duas grandes instituições religiosas históricas e baseando-se em teorias da conspiração e em inverdades travestidas de estudo científico. Com um olhar mais apurado, as teorias do filme são prontamente derrubadas. 
Em terra de cego quem tem um olho é rei. Assim como Peter Joseph e Jacque Fresco, do Movimento Zeitgeist, os assassinos em massa citados acima não são ignorantes, ao contrário, trata-se de dois jovens com inteligência acima da média e muito, muito conhecimento adquirido sobre diversos assuntos, em grande parte na 'rede mundial' que está acessível a todos. Do mesmo modo que os primeiros exercem influência sobre as pessoas através de seus discursos muito bem construídos, fazendo refletir sobre 'soluções pacíficas', sabemos que o dois últimos também fazem adeptos através da violência explícita. 
Aos 'simples mortais' que também são 'não seguidores', o que resta? Refletir sobre suas próprias ideologias - sejam extremistas de esquerda ou de direita, socialistas, fundamentalistas, nacionalistas, eugenistas, racistas, nazistas, islamófobas, homofóbicas ou machistas. Refletir sobre o direito à vida comum a todos os seres humanos e sobre o respeito ao outro. Quem sabe possamos nos esforçar um pouco mais e buscar uma maior conexão com o 'gênero humano' de modo a não reforçar embates baseados em diferenças ideológicas, de gênero, étnicas e religiosas nas nossas relações mais íntimas, sociais ou políticas? Quantos de nós não reagem com violência velada (ou explícita) quando sentem seus 'territórios' ameaçados, incluindo seu 'território íntimo', quando sentem sua precária estabilidade ameaçada? Toda relação é política e passa por questões ideológicas, não há como ser diferente. Todos estamos no mesmo barco e a deriva em nossas próprias subjetividades. 
Pensemos sobre o papel que estamos representando no contexto social, nas nossas relações íntimas, sobre as concessões que fazemos, as inconsistências que nutrimos, as pequenas violências que alimentamos dia-a-dia. Pensemos sobre que tipo de influência estamos exercendo no mundo. 
Afinal, 'pensar é esculpir'. 
Quem sabe conseguiremos, assim, ao invés de uma 'nova ordem mundial', criar uma nova e consistente 'escultura social'
Viver e consistir sem violência e sem radicalismo. 



quarta-feira, 13 de julho de 2011

O enigma da Sphynx - porque o corpo 'quer' ser gordo

Minha gata chamada Sphynx pesa cerca de 6,5kg, tem uma cabeça pequena encimando um corpo desproporcionalmente ovalado de modo que com sua cor castanha se assemelha a um croquete com cabeça. Sei, não é uma imagem muito animadora. Mas ela é fofa e eu a amo. Bem, eu já tentei fazê-la emagrecer mudando a ração e diminuindo gradativamente a comida. Porém,  parece que quanto mais restrinjo a comida, mais ela engorda. Pensei então que exercícios ajudariam, então comecei a surpreende-la e assusta-la para que corresse pela casa. Disparava atrás dela e num primeiro momento ela corria de mim, para depois simplesmente buscar abrigo sob um móvel. Resultado: eu cansada de correr e com cara de tacho e ela me olhando como se me achasse uma idiota por interromper seu sossego e tentar fazê-la se exercitar. Não eliminamos nem um grama e sequer meio centímetro de circunferência, eu e ela. Não preciso dizer que desisti desse exercício temporariamente, embora ela continue sob dieta prescrita. Estou considerando a possibilidade de emprestar um cachorro e traze-lo para casa. Talvez assim ela se anime a fugir efetivamente e seu cérebro dispare um outro programa que a faça emagrecer. 
Concluí que o corpo da Sphynx acha que ser gordo é bom para sua sobrevivência. Sphynx sofreu grande privação de alimentos, antes de nós a adotarmos, nos primeiros meses de vida. Com a restrição de alimento, seu cérebro registra  escassez de comida e resolve enviar um comando para o corpo acumular e manter a gordura.
É precisamente isso o que acontece com nosso corpo quando estamos em dieta restritiva com o objetivo de emagrecer. Porque nosso sistema límbico funciona segundo um programa milenar que só entende três tipos de ameaça à vida: frio, fome e predadores. No caso do frio, o corpo acumula a maior quantidade de gordura num menor espaço de tempo, que serve como proteção aos órgãos. Sobre a escassez de alimentos e consequente fome, mais uma vez o cérebro envia um comando para o corpo acumular gorduras uma vez que não sabe quando terá disponibilidade de alimentos novamente. Somente um predador dispararia no cérebro um programa que funciona segundo o sistema de luta e fuga, de forma que um corpo gordo não responderia. No caso deste tipo de ameaça, o cérebro entende que é melhor para a sobrevivência do corpo que este seja mais magro e ágil. Baseada nesse conceito é que achei que o melhor Spa para Sphynx seria a presença de um predador que a fizesse se sentir realmente ameaçada. Alguém mais ameaçador do que eu.
Brincadeiras a parte, em nós humanos há uma espécie de adaptação deste programa. Porque nosso cérebro entende qualquer stress como ameaça a vida. Neste sentido, pessoas que sentem algum tipo de ameaça a sua integridade, acabam por desenvolver problemas de peso. O sobrepeso se transforma em  uma espécie de escudo de proteção. É algo entre a pessoa e seu possível agressor. Como agressão podemos entender muitas coisas: se nós sentimos nosso espaço pessoal invadido de algum modo, se sentimos que alguém nos feriu, se nos sentimos ameaçados, talvez nosso cérebro entenda que a melhor forma de nos manter vivos é através de um acúmulo de gordura e dispara um programa que, além de nos obrigar a comer a maior parte de alimentos disponíveis em um menor espaço de tempo, também evita que eliminemos o excedente. 'Não queime gordura' é a palavra de ordem para a preguiça nos impedir de nos exercitar. Esse processo todo acontece em um nível inconsciente, é claro.
E o que fazer com o paradoxo sócio-cultural: de um lado o padrão de beleza que determina um estereótipo esquálido estampado em capas de revistas e de outro uma quantidade vexatória de publicações gastronômicas e culinárias. Ou seja, você pode comprar a última edição da revista Gula e levar de brinde a Boa Forma. Há mais restaurantes disponíveis do que locais para se praticar exercícios. 
Neste pedaço do globo, onde há uma oferta ilimitada de alimentos processados e com baixo teor nutricional e em que você pode provar todas as 108 variedades de chocolate em um único corredor dentro de um shopping center - enquanto logo ali ao nosso lado... -  bem, é preciso ter uma vontade férrea para seguir qualquer tipo de dieta. Sem dizer que nenhuma delas funciona efetivamente pela mesma razão que o corpo de minha gata acumula gordura todas as vezes que restrinjo sua alimentação: a ideia de escassez seguida da potencial falência futura do corpo vai fazer com que este queira manter para sobreviver. Por outro lado, se o alimento que comemos não atende as necessidades diárias de vitaminas, sais minerais e aminoácidos para que nosso corpo funcione bem, nosso cérebro pensará que teremos de consumir toneladas de lixo para poder processar um mínimo de nutrientes.
Comer é um ato social. E comer é bom. Mais do que comer por razões emocionais, ou seja, reunir-se com os amigos, com a família e com quem amamos para promover o prazer dos outros e o nosso próprio, esta espécie de fome da alma que faz com que devoremos uma caixa de Bis em menos de vinte minutos é, literalmente, uma droga: passado o efeito dos hormônios cuja produção foi quimicamente ativada pelo cérebro, caímos em desgraça. Tristeza, vazio e culpa. Quem não tem teto de vidro atire a primeira pedra.
Devemos entender as causas inconscientes de nossa fome emocional e mental, substituir cada vez mais os alimentos processados por alimentos integrais, orgânicos e frescos - a comida 'morta' pela comida 'viva' - e nos movimentar. 
NO DIET YES LIFE



terça-feira, 5 de julho de 2011

Não faço análise. Eu danço, eu canto, eu crio, eu amo!

Hoje, após de cerca de seis meses, fui rever minha professora de Reeducação do Movimento (em novo endereço) e minhas colegas de turma. Encontrei um tempo em minha agenda caótica (que me faz pensar o que aprendi sobre administração de tempo nos tempos idos da faculdade de administração), peguei uma carona com minha adorável vizinha Suzana e fui celebrar minha 'mestra' um dia após seu aniversário. Fora a alegria de rever pessoas tão queridas e ser tão bem recebida, fazer os exercícios, sob a batuta competente da Aninha - com os bastões e elásticos - e sentir a descompressão no corpo, osso a osso, vértebra por vértebra, ocupando seus lugares de direito, depois de passar horas diante do computador pensando e escrevendo, realmente é incrível. "Olha, eu tenho um corpo", pensei. Melhor mesmo, só nossa dancinha no final. Erro o tempo todo a coreografia, obviamente, mas é uma diversão sem fim. Isso não tem preço.
"Não faço análise, eu danço" - foi o que li inscrito nas costas da camiseta de Rosana enquanto eu estava no estica e puxa tentando desenferrujar. E há muito não lia uma frase com tanto sentido para mim. 
Hoje estou com uma sensação muito pungente de que a felicidade é muito simples e está ao alcance de todos. O que não exclui, certamente, as complexidades naturais da vida. E o desafio constantemente renovado.
E vejo uma natural inclinação do ser humano para complicar ainda mais algo já tão intrincado quando, muitas vezes, basta parar por um momento, respirar profundamente, soltar o corpo um tantinho, cantar um outro tanto e dançar! Dançar a vida e o momento. E quem sabe se perder um pouco nos braços de alguém que ama, só por um minuto! E sorrir, embora as vezes doa....
Para o que já é, não é preciso requisição em 'duas vias de igual teor'. Para o que não é para ser, basta carimbar e arquivar. As vezes me pergunto porque tanto esforço... 
Ser é infinitamente o maior desafio humano. Estar é arte perdida. Só nos restou o hábito do pensar, falar e fazer. Sentir é língua estrangeira, pode-se deduzir, mas não entender. "Amor é palavra para espertos" e sexo é moeda de troca. O que deveria ser a nossa maior oportunidade de conexão com a FONTE, a dobradinha amor e sexo se transformou em um troço tão complicado ligado a moral, às carências emocionais, às turbulências psíquicas, a contratos e prisões e com uma inclinação tão humana para o profano que até mesmo 'o sexo sagrado' da 'filosofia tantra' vem sendo vilipendiado tanto pela ignorância de alguns quanto pelo oportunismo de outros (mais isso é assunto para outro texto). Salvos estamos por aqueles que dedicam toda uma vida ao que lhe é sacro: seja a arte, a música, a dança, o teatro ou os sentidos. Sim, precisamos 'ganhar a vida' e nosso sustento, porque temos fome, uma fome persistente, el hambre del alma. 
Para aqueles que estão se distanciando de seu eu mais sagrado por intelectualismos e outros 'ismos' eu pergunto: afinal, o que sabemos? Se grande parte de tudo o que vemos é um grande mistério que apreendemos apenas em parte... ? 
Mergulhar nesse grande mistério a partir do próprio corpo ou no corpo do outro não tem preço. Para todas as outras... bem, vocês sabem a resposta.

"O ódio e o amor sobrevivem em mim
e tudo o que amo, meu ódio consome
tudo o que odeio, meu amor sublima... 
Minha alma tem fome. 
Será que é assim que se elimina o änima?" (RS)

Agora deixo para vocês uma alegria simples e os desafio a permanecer sisudos, circunspectos ou tristes:





quinta-feira, 30 de junho de 2011

Medicina Agradável

Certo dia estava conversando com o médico da família, Dr. Ariovaldo Martini (medicina generalista preventiva e de promoção à saúde) e ele discorreu brevemente sobre sua ideia para a formação de 'médicos de família' para atender no Serviço Público de Saúde. Sua justificativa é que o médico de família conhece não só o seu paciente como o histórico de doenças da família, de modo que é bem mais fácil e rápido o diagnóstico de doenças e estabelecer um tratamento com resultados de curto a longo prazo. Minha família, incluindo minha mãe - 80 anos e muita saúde e disposição - tem obtido resultados surpreendentes com os mais diversos tratamentos com este que é seguramente o médico de maior caráter e confiabilidade que eu conheci em minha vida. O tratamento recomendado é individualizado, preventivo e, em alguns casos, de uso continuado, com pouquíssimo a nenhum efeito colateral e resultados relativamente rápidos. Dr Ariovaldo combina a alopatia e a fitoterapia com base na medicina ortomolecular e sempre nos adverte com lições simples mais eficazes, nos tranquilizando quanto aos sintomas dos desequilíbrios. De forma surpreendente na prática de Medicina nos dias de hoje, Dr Ariovaldo realmente olha o paciente e o toca, mas também lança mão dos mais modernos equipamentos atualmente ao alcance de um médico. Porém, nem todas as pessoas se adaptam a seu tipo de tratamento, acabando por se submeter aos inconvenientes e intermináveis exames prescritos por médicos que sequer olham a cara do paciente e aos desagradáveis efeitos colaterais da medicina convencional e da alopatia pura.
Como auto-didata, estudo Psicanálise há anos, bem como a medicina alternativa e o que é comumente chamado de terapias holísticas, que prefiro chamar de 'terapias vibracionais'. Sou mestre em Reiki pelo Sistema Usui de Cura Natural e terapeuta floral, me formei como Instrutora de Hatha Yoga e pesquiso há mais de 15 anos a Bioenergética.
Hoje, fazendo um inventário de minhas experiências, vejo que a única vez em que meu corpo 'adoeceu' seriamente coincide com aquele em que negligenciei meus conhecimentos e práticas, mas também um momento em que eu necessitava de uma profunda revisão. Apreendida a lição de que 'a doença não é um problema mais uma mensagem e oportunidade de mudança' hoje busco me cercar por todos os lados, o que inclui uma visita semanal a terapeuta Marcia Saraceni para o equilíbrio energético. Com ela, tenho descoberto nas essências Florais de Saint Germain um incrível auxiliar para o equilíbrio psico-físico e bioenergético e desenvolvido uma nova e mais profunda relação com o Reiki.
Todas essas alternativas estão a disposição de todos. Há grandes exemplos disso, como a aceitação do Yoga em Congressos de Medicina, Hospitais e Clínicas Médicas como um auxiliar aos tratamentos convencionais e o ingresso da terapia floral nas Universidades (cursos de medicina) e Hospitais e no Serviço Social. (veja locais na tabela ao lado). Um desses exemplos é o Pe José Dillon, 62 anos, irlândes que chegou ao Brasil em 1975 aos 30 anos para trabalhar na Amazônia, vegetariano e terapeuta floral, tornou-se um missionário da terapia floral, que define como "medicina agradável". "É o suave vencendo o agressivo.", diz ele. Fundador do Núcleo Social da Paróquia Nossa Senhora Aparecida, no Jardim Miriam, que atende 'pessoas desamparadas ou carentes de recursos', o Pe Dillon vem somando, ao lado de um impressionante número de pessoas dedicadas a introdução de práticas de medicina natural e terapias vibracionais no serviço social, um resultado de sucesso no tratamento de indivíduos com os mais diversos graus de desequilíbrio bioenergético, psicofísico e emocional, incluindo crianças e idosos, melhorando a qualidade de vida de centenas de milhares de pessoas cujo acesso às práticas da medicina convencional é restrito ou nenhum.
Longe de desmerecer os avanços técnicos da medicina convencional - dos quais obviamente me beneficio através do médico da família - ou fazer apologia da substituição da alopatia pelas terapias ditas alternativas, desejo somente que se some, ao invés de se subtrair. Que se some às práticas da medicina alopática, a Medicina Natural e Terapias Vibracionais e que muito mais indivíduos que não tenham acesso aos serviços de saúde possam, cada vez mais, se beneficiar da iniciativa de pessoas generosas como o Pe. Dillon. E que o projeto sonhado pelo Dr. Ariovaldo da formação de médicos de família possa encontrar profissionais comprometidos com a saúde e a qualidade de vida da população e possa sair do 'papel' e se tornar uma realidade.
A todos vocês, desejo muita saúde, equilíbrio e bem-estar.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Da impermanência e sentido da vida

Mais uma vez me deparo com a finitude da existência. É a terceira partida de uma pessoa próxima de mim ou próxima de alguém próximo de mim, neste ano. Sempre me comovo às lágrimas nestes momentos de passagem, quando um espírito deixa seu corpo como uma roupa que foi usada até o ponto em que não lhe serve mais. Um espírito que larga a matéria para se alargar fora dela. Mas por desconhecermos seu percurso, nós, que aqui permanecemos, sofremos. Banhamos o evento com a água benta de nosso corpo abençoada pela dor da perda do objeto de nosso amor. Choro de amor e poesia
Poder prantear os que partem é uma benção, uma carta de amor ao nosso luto. O pranto liberta a dor aprisionada no coração. O luto se transforma em constatação e acedência. Mas ao deparar com a impermanência, nos quedamos impacientes. Esbarramos sempre no por que de estarmos atados a essa condição transitória, de não podermos reter a existência pelo tempo que queremos. Permanecer ao lado dos que amamos por muitas décadas, quem sabe séculos. 
Temos de vê-los partir e nos conformar. Porque não há nada a fazer diante da inevitabilidade da morte. Porém subsiste em nós um fragmento de cada um que parte. Somos constituídos por essas partes portanto eles, de algum modo, também permanecem. 
Honremos esses que partem, essas nossas partes, na presença. Enquanto aqui permanecemos, estejamos. A cada momento, no presente. Vivamos cada dia como o último retirando da vida o puro encanto de existir. O prazer da comida, do toque e do abraço, da dança e do gesto, do sorriso, do beijo e da risada. Celebremos essas vidas bem ou mal vividas sem ressalvas. Celebremos sem reservas as partidas como celebramos as chegadas. 
Desejemos que seus espíritos empreendam uma viagem de luz. Que alcem voo, livres e felizes como pássaros. Que atinjam as mais altas notas. Que se elevem nas mais elevadas frequências. E que retornem a nós como nossas partes perdidas, a cada sorriso que morre em nossas bocas quando deles nos recordamos; e a cada lágrima que vertemos em sua ausência. 
E continuemos, extraindo dessa constatação da impermanência o sentido da jornada.


Ao Bruno, com amor.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Bullying nas escolas: responsabilidade social?

No post passado eu falei sobre os memes negativos que ajudamos a imprensa a difundir diariamente em nossas conversas cotidianas. E por que fazemos isso? Por que escolhemos propagar os assuntos mais negativos e desagradáveis em detrimento de inúmeros temas que certamente nos beneficiariam mais? Seria essa a derradeira vitória do mal contra o bem? Você realmente acredita nisso?
Bem, eu não sou tão maniqueísta assim. Eu acredito que o bem e o mal subsistem em cada um de nós porque são aspectos de uma única coisa. E se sobressai aquele aspecto que alimentamos mais. Bem e mal, luz e sombra, tudo isso está dentro de nós, compondo nossa natureza dual. Mas seguimos negando o aspecto da sombra interior em nós mesmo e projetando a culpa de todo o mal fora de nós, no exterior, no outro. Certamente é mais fácil julgar e acusar o outro que assumir responsabilidade sobre seu próprio processo, ou ainda, daqueles por quem somos responsáveis: nossos filhos.
Ultimamente, muito se tem falado sobre bullying nas escolas. Esse é realmente um problema de caráter pessoal que vem se tornado uma questão coletiva, algo a ser discutido nos círculos sócio-educativos e políticos. Leia-se: este é um problema social, o que significa que a sociedade como um todo deve se envolver e buscar soluções.
Creio que  a maioria de nós tem uma história a contar que envolve algum tipo de assédio por parte dos colegas de escola, como vítimas ou espectadores. Eu mesma fui alvo de chacotas durante minha infância devido a minha baixa estatura, por usar óculos "fundo de garrafa" em decorrência de uma miopia galopante (devidamente corrigida com cirurgia há cerca de uma década) e ao fato de ser, como se diz, a "primeira da turma". Não era muito sociável, era tímida e quieta, falava baixo, meu passatempo predileto era ler e só tirava notas altas, o que angariava a simpatia dos professores. Uma verdadeira CDF, como se dizia na época, termo substituído por seu sinônimo em inglês, o que é próprio da nossa época globalizada: uma nerd. O 'alvo perfeito'. Não tardou a isso se tornar um fardo social e eu, vítima da tirania dos 'maiorais', da 'turma do fundão', cheguei a sofrer ameaças do tipo 'não fui com tua cara, guria, te pego na saída'. Não posso afirmar que essa situação tenha causado qualquer trauma emocional em mim, mesmo não vivendo em um ambiente familiar equilibrado e com adultos atentos a este tipo de situação. Talvez naquela época eu já soubesse que crianças são, por natureza, cruéis. É somente uma das características da velha natureza dual do ser humano, o lado perverso se manifestando. A sombra de cuja existência a luz precisa para existir.
Assim como eu, muitas pessoas sofreram este tipo de assédio na infância ou adolescência, vítimas de preconceitos devido a características físicas ou comportamentais que não se encaixavam no 'padrão'. Penso que algumas pessoas, ao contrário de mim, devem até mesmo guardar algumas cicatrizes emocionais (e físicas) como resultado. Então não se pode afirmar que antes éramos emocionalmente mais preparados ou psiquicamente mais resistentes que agora, simplesmente porque não temos como saber o que o chamado bullying provoca em cada um ou qual o resultado disso a longo prazo. Somente não prestávamos tanta atenção a isso como agora, após sermos bombardeados durante duas décadas por enlatados norte-americanos que nos presentearam com seu conceito sobre o que torna alguém popular ou passível de ser taxado de loser. Não é a toa que até a palavra para designar tal ação tão reprovável quanto comum vem em sua grafia original inglesa: além da palavra, importamos o conceito.
Porém, quero chamar atenção para um fato inegável: isso que chamamos de bullying freqüentemente acontece dentro da própria família. Crianças e adolescentes sofrem todo tipo de assédio moral travestido de 'crítica construtiva' ou disfarçado em 'brincadeira' por parte dos pais, irmãos e mesmo dos tios. E mais uma vez apelo para a consciência de cada um. Que tipo de ambiente estamos criando em nossos lares? Como estamos educando nossas crianças, sejam nossos filhos, sobrinhos ou netos? Que contribuição estamos dando para que esses seres se desenvolvam emocionalmente saudáveis, psiquicamente fortes e suficientemente seguros para lidar com situações adversas sem sucumbir ao medo, a depressão, a loucura e a violência? 
A imprensa fez questão de divulgar os diversos vídeos em que Wellington Menezes, o 'assassino do Realengo', afirmava que sofria bullying na escola e responsabilizava esse fato pelo ataque. Segundo pesquisas, de 66 ataques em escolas que ocorreram no mundo, 87% dos atiradores sofriam bullying e foram motivados pelo desejo de vingança. Porém, não se pode ignorar outros fatores muito bem representados pela pessoa de Wellington: herança genética de distúrbios mentais, desagregação familiar (neste caso devido a morte dos pais adotivos), isolamento social, refúgio na rede com conseqüente vício, mais precisamente em jogos online como Counter Strike, influência de diversos temas como o islamismo e acesso a informações sobre armas e bombas facilitado pela Internet.
Gosto de pensar que a ação de Wellington é e continuará sendo um fato isolado, embora muitos insistam em fomentar o medo e usá-lo como combustível para alimentar a fogueira das discussões ideológicas, sociais e de cunho político.  A atenção a determinados temas cresce a medida da necessidade de uma reforma social mas, acima de tudo, de uma reforma individual íntima. Todas as crianças que freqüentam as escolas - as que provocam e as que são provocadas - pertencem, desde que nasceram, a um grupo primordial que é a família. A família ainda é a principal responsável por sua formação e não é justo transferir isso para o ambiente da escola, para os professores ou para a sociedade. A escola é local de encontro de individualidades com toda a complexidade que as diferenças provocam. Wellington é o resultado de uma combinação catastrófica de fatores como o desequilíbrio mental agravado pelas condições precárias de vida, assédio moral e a solidão do isolamento voluntário com acesso ilimitado a todo tipo de informação e armas de fogo. A escola foi o ambiente onde essa complexidade bombástica explodiu, ceifando a vida de inocentes. Não creio que haja algo que cause maior revolta e perplexidade do que a morte de uma criança. Essas circunstâncias, então, colocam em cheque grande parte do que acreditamos e beira o insuportável.
Mas a reflexão sobre nossa própria responsabilidade é uma forma de, paralelamente, transcender a revolta e a perplexidade sobre nossas tragédias individuais e coletivas e fomentar o desenvolvimento da nossa consciência individual que, somadas uma a outra, podem vir a construir, quem sabe, uma consciência coletiva.
Não seria esse um dos objetivos de nossa existência?