quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Hipnose coletiva - você ainda participará deste fenômeno

Para quem vem pela primeira vez, adianto que aqui pratico o hábito de relacionar temas aparentemente díspares, de modo que... não se assustem. Para os leitores, aviso que é mais um dos textos em que misturo alhos com bugalhos para ver se dá um bom tempero.
Tenho observado um fenômeno que acontece em diversos setores da sociedade, desde o mercado de consumo até um movimento político estudantil, como o que assistimos recentemente durante a ocupação do prédio da FFLCH, na Universidade de São Paulo - por ocasião de um manifesto dos alunos contra a ocupação do campus pela Polícia Militar e manifestações da opinião pública sobre o assunto.
Este fenômeno a que me refiro é caracterizado por um alto grau de suscetibilidade à influência do outro, do meio, dos eventos e da mídia, de modo que pouco espaço sobra para a liberdade de pensamento e escolha do indivíduo. Podemos classificar este fenômeno como uma espécie de hipnose global, ou transe coletivo. É um ir na onda, com o fluxo, sem questionar muito. Ou, como classificávamos na minha infância: ser 'maria vai com as outras'. 
Recentemente tive a oportunidade de observar a corrida por um bem de consumo portátil, um assessório feminino da moda, no qual não havia reparado até que me pediram que pesquisasse o preço do mesmo no 'free-shop', por ocasião da última viagem que fiz. Como quando gostamos de um modelo de carro e passamos a vê-lo em todos os lugares, comecei a observar a quantidade de mulheres que usam esses 'pequenos grandes mimos' de marcas que vão desde as nacionais e mais baratas, até de grifes como Michael Kors e Marc Jacobs. Refleti, então sobre o que leva as pessoas, neste caso, de adolescentes a jovens senhoras de classe média, a desembolsarem de UR$ 300 a mais de UR$ 1000 em um único acessório, como relógios e bolsas. O que isso representa? Isso é símbolo do que?
Como afirma Deepak Chopra usando um conceito de Grebory Bateson: prender-se ao símbolo, é como se instalar no mapa e não no território. Em outras palavras: usar um relógio Michael Kors não faz de nós milionários como usar lenços e camisetas cobrindo o rosto, portar cartazes com palavras de ordem e gritar lemas políticos não faz de nós  revolucionários. Tampouco assistir ao noticiário, ler revistas informativas e jornais e repetir chavões, faz de nós pessoas bem formadas. Informadas sim, é claro. Mas informação não é conhecimento.
A ocupação do prédio de administração da FFLCH foi motivado pela detenção de três jovens que fumavam maconha dentro do carro, por policiais militares, numa das ações que os estudantes da USP tem denunciado como truculentas e tem acusado como parte de uma estratégia do reitor João Grandino Rodas para enfraquecer as lideranças estudantis e iniciar a privatização da Universidade. Para quem não sabe, Rodas firmou um acordo com a Polícia Militar para melhorar a segurança do campus, após o aluno Felipe Ramos de Paiva ser assassinado no estacionamento do campus, numa tentativa de assalto.
O ato de ocupação não foi um fato isolado, motivado pelo desejo dos alunos de abrirem uma brecha na lei que lhes garanta o direito de praticar ações ilícitas (neste caso o uso de drogas) sem serem incomodados pelas autoridades. A ocupação advém da insatisfação acumulada resultante de experiências vivenciadas pelos alunos, professores e servidores, consequência de uma atitude repressora por parte da reitoria sobre práticas democráticas, como a abertura de inquérito administrativo sobre a paralisação de natureza reivindicatória dos servidores. Mas em nada essa ação pode ser comparada à luta dos estudantes pela queda da ditadura militar por ocasião do fim da década de sessenta até meados da década de 80. Essa é uma outra história.
Quem não estava presente no conflito do dia 27 de outubro não sabe o que iniciou os atos de violência: se as pedradas dos alunos contra os policiais foram uma defesa contra cacetetes e bombas de gás lacrimogênio, ou se a ação policial foi uma resposta defensiva. Resta ficar dividido entre os inúmeros vídeos postados pelos alunos no Youtube e as inúmeras reportagens em todas as mídias. Mas, como se diz: o jornal de hoje forrará a gaiola de amanhã. Para a maioria, isso é só mais um evento midiático que logo será esquecido; para os envolvidos continuará sendo um problema a ser solucionado, com reverberações políticas e sociais a longo prazo, para a sociedade.
Do lado de dentro da Universidade, os jovens se articulam numa discussão política com temas os mais diversos, liderados por representantes estudantis e políticos igualmente numerosos. Do lado de fora, são rotulados de maconheiros e arruaceiros por uma população que desconhece a função política e social da Universidade, sua realidade interna e o modo como se relaciona com o Estado. Quem nunca participou da rotina da USP ou estudou em sua estrutura sucateada sob a batuta de uma respeitada equipe docente e quem nunca refletiu sobre os meandros políticos e sociais do sistema de ensino público no Brasil, não deveria criticar a ação dos estudantes classificando-os de 'filhinhos de papai'.
A questão do sucateamento do ensino público, corrupção e desvio de verbas e ínfimo acesso da população mais carente ao ambiente da universidade (há quem se esforce muito para conquistar o direito a uma vaga, acredite!) é coletivo. Mas obviamente não é problema de quem tem condições financeiras para pagar um colégio de ponta ou cursinho pré-vestibular para o filho que lhe garanta uma vaga na Universidade. Tanto o jovem de classe baixa que abdica de parte de sua rotina juvenil para estudar para o vestibular, quanto o jovem de classe alta que estuda em escolas particulares extremamente exigentes, sofrem a pressão da competição acirrada e da cobrança, bem como da permanência na Universidade. Em outras palavras: se não é fácil entrar, quanto mais sair com um diploma.
Não sei se por serem submetidos a essa espécie de pressão social ou se por sofrerem ao serem privados de fazerem coisas por si mesmo, dar a vida e criar - como afirma Joseph Beuys-  que a esmagadora maioria dos jovens entre 15 e 30 anos são fumantes e fazem uso frequente de álcool e drogas. Basta ir a uma festa da USP ou caminhar nos bares no entorno da Universidade Mackenzie para comprovar esta afirmação. Essa é uma outra discussão.
O fato dessa ocupação ter ficado estigmatizada pela motivação inicial e modus operandi, pela atitude tendenciosa da mídia e pela opinião pública ignorante do sistema todo a enfraquece política e publicamente. Os estudantes da USP tem sido vítimas de preconceito e, como de praxe, todos os gatos tem sido atirados no mesmo balaio. Entendo perfeitamente isso, levando em conta que já não olho as donas dos braços e ombros femininos que portam grandes relógios e sofisticadas bolsas com iniciais de estilistas com os mesmos olhos, assim como não olho os estudantes das universidades, públicas ou privadas, de modo diferente uns dos outros. Posso estar sendo preconceituosa e tendenciosa ao afirmar que a grande maioria dos jovens hoje, independente da classe sócio-econômica a que pertencem, padecem do mesmo mal: são maria vai com as outras, vítimas do transe coletivo. A tal 'opinião pública', carente de uma formação consistente e vulnerável à manipulação da mídia e da publicidade e que consome notícias como consome produtos no shopping-center, ou seja, com mínimo ou nenhum senso crítico, soma a esses um enorme contingente de zumbis, muito bem direcionados por lideranças econômicas e políticas.

Um comentário:

Anônimo disse...

Isso me lembra de uma cena no filme Tropa de Elite em que um soldado perdeu seu companheiro por um traficante e maconheiro filhinho de papai universitario, e por isso deu uma surra no infeliz. Eu me senti uma satisfação de que esta cena representa, tambem em muitas pessoas que sentem um certo personagem que faz justiça e o bem 'as pessoas. Tanto traficantes como usuarios de drogas , são um tremendo desserviço ao coletivo. A mesma vontade que teria um pai bater no seu filho marmanjo para corriji-lo. Não estou falando aqui em bater em crianças, mas um adolecente ou um ja quase adulto, va lah, sabe que tem consciencia que esta fazendo algo indevido, improprio.. Não tem jeito, se vc acoberta um ususario, vc esta condizente com o traficante que continuara a roubar e matar e traficar..