segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Ser ou não ser, eis a questão....

"La vida tiene errores que solo el arte puede corrigir"
Ontem fui conferir o maravilhoso espetáculo "Paranóia", inspirado na obra de Roberto Piva e dirigido por Ana Botosso, com a Companhia de Danças de Diadema e o GEM-Grupo Experimental de Música. Uma belíssima conjugação entre dois grupos que beiram a perfeição em suas expressões criativas e entre as linguagens da arte - literatura, artes visuais, música, dança e teatro - que sintetiza toda a visceralidade das relações humanas, os afetos, as projeções, os desejos, as frustrações e a subsequente melancolia. Posso arriscar que senti também ali bem representadas as ilusões que alimentamos sobre nós mesmos, o outro e o mundo; a liquefação dos relacionamentos, onde mal se desfaz uma conexão para logo ali adiante perfazer outra; as prisões voluntárias nas quais vamos entrando (de bom grado), porque amamos ou pensamos que amamos. 
Nessa minha trajetória, deparei com todo tipo de história sobre pessoas e relações e o que observei de semelhança entre uma e outra foi a dicotomia entre ser o que se é ou o que pensamos que o outro deseja que sejamos. E a evidente dificuldade de nos tornamos quem realmente somos e assumirmos isso perante o mundo. Ser ou não ser, eis a questão... Esta frase de Shakespeare - da peça Hamlet, escrita entre 1599 e 1601 - é atemporal porque esta permanece sendo a questão central em nossas vidas. 
Tenho assistido a todo tipo de manifestação desta dicotomia, principalmente nos círculos onde a imagem que a pessoa transmite ao mundo é importante, quando esta tem ou pensa que tem um 'papel' ou 'responsabilidade social' ou quando quer se convencer (e convencer o outro) de que é isso ou aquilo. E seria cômico, se não fosse ligeiramente trágico, observar quanto tempo alguém leva para 'deixar cair sua máscara'. 
Quantas pessoas assistimos criticando a 'corrupção na política' ou 'a perversidade do mundo corporativo' e que 'trapaceiam' em suas relações íntimas, enganando e mentindo para o outro para satisfazer suas próprias necessidades e desejos? 
"Faça o que eu mando mas não faça o que faço" parece ser o mote da maioria, principalmente de pessoas que se colocam na posição de mestres e líderes. Ou simplesmente daqueles que pretendem transmitir algum conhecimento ou sabedoria. Por quanto tempo conseguimos manter o equilíbrio entre nosso discurso e nossas atitudes? Quem é totalmente honesto, coerente e consistente que atire a primeira pedra. 
Quantos respiratorianos comprando junk food na calada da noite ainda teremos de surpreender para percebermos que grande parte do que nos vendem não passa de uma ilusão arquitetada para manter nossa atenção e nos levar a consumir novas ou velhas teorias? 
No fundo somos todos humanos, demasiado humanos. E enquanto estivermos nessa condição humana, seremos só promessas e devir e nunca o 'que realmente somos'. 
Bem, eu me incluo nisso, evidentemente. E tenho certeza que muitos já folgaram em me observar 'caindo em contradição' e 'perdendo a pose'. Por sinal, sou extremamente grata a uma pessoa em particular que ao me alertar para o fato de que eu 'não sou quem  penso que sou', me incentivou a buscar me tornar cada vez mais quem sou realmente. Longo percurso repleto de percalços. 
E com o reconhecimento de que não somos nada além de 'poeira de estrelas', da brevidade da vida e da transitoriedade das relações, hoje busco, cada vez mais, praticar a aceitação, a abertura e a presença. E falho o tempo todo, obviamente. Portanto, não se assustem 'se um dia eu chegar muito estranha'. Afinal de contas, 'de perto ninguém é normal'. 
E para aqueles que tem como bandeira filosófica como eu amor, abertura, aceitação e liberdade, vos digo: mais do que falar sobre isso, precisamos praticar. Quando há  consciência demais e consistência de menos, a equação fica insolúvel. 
Afinal, é somente no momento em que não há distância entre teoria e praxis ou entre mente e corpo que entramos no verdadeiro 'estado da arte', criando obras com 'o brilho da verdade' como o espetáculo 'Paranóia'.