sábado, 16 de junho de 2012

Os deuses devem estar loucos

Xi na Janela dos Deuses

Esta foi, para mim, uma semana estranha. Você sabe aqueles momentos em que tudo parece tão equivocado que você tem a impressão de que está dentro de um filme ruim com um enredo confuso? Ou que tem a sensação de ter sido abduzido e levado a um planeta desconhecido, cuja língua e costumes dos habitantes são, para você, incompreensíveis? Creio que me senti como o personagem Xi, do filme The Gods Must be Crazy, de Jamie Uyis, quando encontra espécimes do dito "homem civilizado" pela primeira vez. Xi adapta-se. Mesmo quando percebe que esses seres dizem uma coisa quando querem dizer outra e agem em desacordo com o que sentem. 
Creio que isso é o que todos, ou a maioria de nós, fazemos constantemente: um exercício de adaptação aos afetos, desejos, ambições, hábitos, linguagem, atitudes, projeções e expressões do outro. Afinal, somos e soamos sempre como estranhos uns aos outros e, quando isso não acontece, quando sentimos que alguém realmente nos vê, ouve ou compreende, a vida torna-se uma grande festa. Mas essa sensação é efêmera, volátil e evanesce facilmente com a proximidade, com a intimidade, com os conflitos, com o tempo e com a morte.  Nestes momentos, sentimo-nos apartados e não-pertinentes. O amor se retira e dá espaço à solidão e ao vazio. Quedamos em nossas celas pessoais, como Xi - que desconhecia paredes - silencia quando é jogado em uma prisão durante três meses. Ele não conhece o conceito de tempo; não fosse resgatado, morreria. Xi encontra um tradutor que o entende e o resgata. Muitos de nós nem sempre tem a mesma sorte
Xi pertence a uma família de khoisan (bosquímanos) que vive no centro do deserto de Kalahari e que nunca tivera contato com a civilização. Vivem no Paraíso e são completamente inocentes: desconhecem a propriedade, a ambição, o conflito e a violência, bem como sentimentos como inveja, ciúme, raiva, medo ou voracidade. Certo dia, deparam com uma garrafa de coca-cola jogada de um avião e imaginam que se trata de um belo "presente dos deuses". Ela se torna extremamente útil nas atividades da família, devido a seu formato e a sua dureza e resistência. Porém, também não pode ser compartilhada, por ser uma só. Isso provoca tudo o que até então desconheciam: cobiça, inveja, raiva, voracidade, medo, conflito e por fim, violência. Pensam que os deuses deviam estar loucos para dar-lhes tal presente e passam a considerá-la "do mal". Xi tenta devolvê-la aos deuses, sem sucesso. Então decidem que ele deve partir em uma longa jornada rumo ao fim do mundo para deixá-la lá e retornar. Neste percurso, Xi encontra diversas pessoas "civilizadas" e se envolve com elas nas mais diversas situações "humanas". Xi sofre, Xi aprende, Xi se adapta. Mas não a ponto de perder sua natureza inocente, dócil, gentil, sua alegria ou apagar seu sorriso solar.
Em certos momentos gostaria de partir rumo ao fim do mundo com esta garrafa de coca-cola do mal presenteada por deuses loucos e atirá-la no abismo. E resgatar a inocência, a docilidade, a gentileza, a alegria e um sorriso solar. 

Um comentário:

Anônimo disse...

Malu querida: Que belo texto como elo para nos apresentarmos. Sou Selma Muniz, mãe da Marianne Muniz. Iremos com você nessa partida "rumo ao fim do mundo com a garrafa de coca-cola do mal presenteada por deuses loucos... Atira-la-emos no abismo. E, sendo assim, resgataremos a inocência, a docilidade, a gentileza, a alegria e um sorriso solar daqueles beeem grandes, que conhecemos um dia e que , apesar de tudo, não esquecemos. Tenha uma grande semana!